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A sopa de maçã restabelecera apenas parte do corpo, o meu psicológico estavaderrubado. Os olhos ardiam, a cabeça doía e a escuridão do cubículo transformava monstrosimaginários em verdadeiros. A atividade de criar nuvens brancas aéreas e aleatórias no ar,enlaçadas e viajantes, trouxe de volta Lúcia. Ela olhava-me, chorando, perguntando sobre seufilho e logo após, caindo com os olhos estáticos ao chão, pingando sangue. Eu não sabia lheresponder. Nada, nada jamais tiraria da mente o que ali eu estava vivendo. Pensava na morte,talvez não fosse uma ideia ruim acabar com tudo mesmo. Talvez a morte fosse a únicalibertação daquele lugar. A minha pele, a cada minuto passado, tornava-se mais vermelha,nascendo úlceras em alguns pontos, restando em queimação, pontadas e muita ardência emsua crosta. Os fios da minha barba aos poucos se soltavam nas minhas mãos e meus cabelostambém. A porta novamente se abrira no ranger da compreensão de um objeto inanimado,que transmuta suas facetas e descarrega todo pesar daqueles que ali já não emitem mais somalgum. Na contra-luz, uma sombra grande, monstruosa, de caminhar manso, sádico, vertendotodas as poucas energias do ambiente dentro do seu peito estufado, entrou. Não o fitei.Permaneci encarando o chão, com a cabeça jogada sobre o ombro esquerdo. Ele puxou-mepelo braço. "É você quem eu quero!" — dizia com sua voz rasgada, no tom mais agudo que oranger da porta. E arrastou-me pelo chão até a sala que outrora havia conhecido: a porta comtriângulo fosforescente amarelo em volta de três pontas pretas indicando expansão e umcírculo. "Não! Não!" — berrei, mas em silêncio, o soldado nada fez a não ser me jogar nocanto da sala. Deitei minha cabeça sobre o chão frio e fechei os olhos. Tentei me imaginar emoutro lugar. Um banheiro de rodoviária onde estaria prestes a viajar, o banheiro sujo depichações de caneta dos adolescentes da lanchonete da esquina de casa, qualquer um serviria.Menos aquele lugar. Lembrei de uma frase lida em algum livro na adolescência: "um leão nãomata mais do que poderá comer". E ela fazia todo o sentido. O único cientista presenteorganizava seus utensílios metálicos em cima da bancada e eu continuava no chão. Ficamosnós dois a sós. 

O Frigorífico Luz VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora