Capítulo 12- Conflitos

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Rio de Janeiro – Brasil 2019





—Verdade ou consequência?—Thiago me fitava enquanto bebia um pouco de seu licor que escorria pelo lado dos seus lábios.

—É sério isso? Eu detesto essa brincadeira.—Eu realmente detestava.—A gente namora, não tem graça Thiago.

—Então será verdade.—Suas palavras saíram pausadas e eu pude ouvir o estalo do copo batendo sob a mesa.—É verdade que você está paquerando Eduardo?

Atualização necessária e sem propósito, eu e Thiago começamos a namorar há um mês atrás, entretanto a gente se conhece desde criança, e nosso relacionamento foi basicamente construído pelos nossos pais, desde quando éramos apenas fetos. Eu quis dar essa honra a minha mãe porque na realidade não quero ficar muito tempo no Brasil, então planejo bem minha desculpa—extremamente—triste para estar terminando o meu amado relacionamento com Thiago, o homem dos meus "sonhos."

—De novo isso? Sério?—Eu queria ser mais calma, mas às vezes eu posso jurar que Thiago faz essas coisas pra me tirar do Eixo, Eduardo é meu melhor amigo, e ele é gay, qual a dificuldade de isso entrar na cabeça desse homem?

—Vi você trocando mensagens com ele Ágatha, sério.—Ele bufava.—Assim não vamos conseguir fazer isso dar certo!

—Você só pode estar brincando, o Eduardo é meu melhor amigo, e você sabe, ele é extremamente obcecado pelo carinha que dá aula pra ele na faculdade, qual a probabilidade de ele ser interessado em mim e eu nele? Sério, você só pode estar brincando eu juro que eu espero que seja brincadeira Thiago, senão...

—Senão o que?— Os olhos verdes saltando faísca de Thiago encontraram os meus perdidos e desesperados, ele apertava seu copo de cristal em suas mãos que eu podia jurar que a qualquer momento ia quebrar e cortar sua mão toda.—Fala aí, não pode tocar no papo do seu amiguinho né? Você já fica toda bolada.

—Sinceramente eu não vou gastar absolutamente nenhuma energia discutindo com você, se você quer discutir faremos isso amanhã, eu vou pra casa.—Falei me levantando e no mesmo instante sentindo as mãos firmes de Thiago me puxando para trás.

—Você disse que ia dormir aqui amor.

—Agora eu sou o seu amor?—Gargalhei.—Juro que não entendo, não é você que está todo nervosinho aí por conta da minha amizade?

—Qual é Ágatha, eu tenho ciúmes pô, é natural, somos namorados, é tranquilo as vezes rolar um ciúminho.

—Não, não é natural.—Retruquei.—Amanhã cedo preciso ir no ateliê da mamãe, ela está com criações novas e quer experimentar as peças no meu corpo pra vê como vão ficar, acho melhor ir agora do que ficar mais tarde.

—Eu te levo bem cedo, tem roupa sua aqui, tudo o que você precisa.—Seu cheiro forte de perfume amadeirado com bebida tomaram conta do ambiente no instante que suas mãos se arrastaram por minha cintura me puxando para mais perto.—Eu sinto sua falta.

—Tudo bem, eu fico, seis horas em ponto Thiago. Seis horas.





  O barulho alto da televisão no quarto em alguma série aleatória me tirava total concentração dos meus pensamentos intrusos que me diziam ser sim a hora exata para eu fechar os olhos e dormir, mesmo com tanto barulho. Thiago estava com seu laptop no colo e fazia algum cronograma de gestão da empresa de seu pai que agora ele também ajudava a comandar. As horas se arrastavam de forma lenta, o rapaz não conseguiu beijar a garota que ele sempre quis e ela acabou de morrer, esses clichês me tiram total a paciência, seria tão mais fácil se ele tivesse se declarado antes, não teria perdido a oportunidade de ter ela esse tempo, de ter conhecido o gosto dos lábios dela, e agora, ele não estaria chorando sozinho olhando a foto dela em um aparelho de celular. .



As horas voaram, assim como meu sono que teve grande dificuldade de chegar, Thiago havia adormecido do meu lado já tinha horas, e eu não conseguia dormir. Minha cabeça não parava. Pensamentos e mais pensamentos de coisas que eu nunca vivenciei e talvez nunca vou vivenciar. Me sinto egoísta. Eu tenho uma família boa, bem sucedida, mesmo não tendo toda a atenção que outrora sonhava em ter, minha família é uma boa família. Thiago é bom um rapaz, extremamente apaixonado por mim, tem um futuro brilhante e um cargo à altura, e mesmo assim não consigo entender o porquê me sinto tão oca de sentimentos, nada consegue me fazer vibrar, ferver, é como se tudo o que eu tivesse não valesse de nada, e eu me sinto estúpida por ter tanto e mesmo assim sentir como se fosse nada, sempre acreditei na história de que somos pessoas individuais e que a qualquer momento vamos achar alguém que encaixe na nossa individualidade. Mesmo Thiago sendo um bom homem, não somos nem de longe parecidos, Thiago é autoritário, tem uma sede por poder inigualável, só pensa em trabalho e quer mais do que nunca marcar a data do nosso possível casório que eu particularmente acho um absurdo, Thiago odeia arte, não gosta de literatura mesmo sabendo que o que mais almejo e sonho é ser escritora, ele me incentiva em fazer administração e cuidar dos bens da família, nega com todas as forças que eu tenha nascido com um dom especial pra transformar o que sinto em palavras, ele acha isso besteira. Seria eu alguém tão egoísta a esse ponto? Não conseguir reconhecer meus inúmeros privilégios e mesmo assim me sentir tão oca e vazia?



Meu corpo estava cansado, o vestido era leve e mesmo assim me dificultava o máximo a correr, minhas mãos unidas a de outro alguém me fazia anseiar por conseguir chegar em algum local seguro, a questão era: onde? O coração acelerado indicava que sim, eu estava deseslerada, o arfar de alguém atrás deu um nó em meu estômago me tirando total a concentração do que eu estava fazendo, por quê eu estava correndo tanto perigo? Quem estava comigo? Quem estava indo ao nosso encontro? Tudo era confuso e eu só conseguia observar a luz da lua beijando minha pele, meu corpo se esquivando de cada árvore grande e bruta no meio de uma mata deserta, antes que conseguisse escapar senti meu corpo voltar para trás, agora eu estava a mercê do meu inimigo, seu rosto, eu não conseguia enxergar seu rosto, apenas conseguia sentir o calor do seu corpo contra o meu, de costas para ele pude sentir suas mãos firmes sobre meu corpo e em questão de segundos um estrondo no local, o gosto metálico de sangue, um grito em um nome irreconhecível, o ardor da lâmina presa em minha pele saindo e voltando várias vezes como se aquilo não precisasse de um fim, minhas pernas fraquejando e me tirando a estabilidade, eu conseguia sentir o desespero da outra pessoa presente, mas como sempre era em vão, não conseguia ouvir, nem sequer notar seu rosto, apenas senti o sabor salgado de suas lágrimas que escapavam de forma involuntária, tentei respirar fundo e senti meu corpo gritar de dor.

—Ágatha. Ágatha acorda!—Thiago me balançava me tirando do meu sono profundo e me trazendo devolta o ar, seus olhos estavam arregalados e ele tremia de preocupação.—Você está bem? O que aconteceu?

Meu corpo estava vibrando, a sensação era a mesma, como se eu ainda estivesse ali, no meu sonho, meu corpo tremia cada centímetro e minha cabeça girava, sem conseguir dizer mais nada levantei o mais rápido possível correndo em direção do banheiro e em segundos depositei tudo o que estava no meu estômago pra fora. Era como se tudo o que eu tinha sentido no sonho eu estivesse sentindo agora, a dor, o medo, o desespero, Thiago apareceu atrás de mim trazendo uma toalha e me olhando assustado.

—Ágatha o que aconteceu? Eu estou ficando assustado.—Ele gesticulava enquanto eu tentava entender suas palavras, mas era como se tudo que ele dissesse não fizesse sentido, não entrasse na minha cabeça.

—Eu não sei...—Estava tonta demais pra assimilar a realidade.—Eu quero ir embora, eu preciso ir embora.

—Você não vai embora nesse estado, sem condições.

—Thiago.—Respirei fundo me levantando e encarando seus olhos.—Eu não sou sua propriedade, eu vou embora, e você, nem ninguém vai me impedir. Estou cansada e farta, toda hora é algo diferente que você quer impor sob mim, me deixa em paz!

Sem perceber peguei minha bolsa e sai do quarto de forma bruta. Thiago ficou estagnado, como se tentasse digerir tudo o que havia acontecido ali, sai às pressas sem olhar pra trás, e sem entender o que estava acontecendo, eu só queria ir pra casa.



—Onde você está? Eu vou te buscar fica calma.—Laís falava comigo pelo telefone, ela estava junto com Morgana e as duas tinham plena certeza que dessa vez eu e Thiago íamos terminar.

—Eu... Eu não sei. Eu saí andando eu não sei onde eu vim parar, Laís, eu estou assustada, com medo.—Minha voz saia trêmula, era como se eu sentisse que perto de Thiago eu estivesse em perigo e precisasse fugir o mais rápido possível.—E se ele me encontrar aqui?

—Olha não vai acontecer nada a Mor...—Antes que Laís terminasse a frase ouvi a respiração funda de Morgana, ela havia pegado o telefone.

—Fala comigo.—Sua voz aguda me deixou em alerta.—Eu quero que me diz algumas referências do lugar onde você está.

—Tem bancos, pra sentar, tem uma mercearia também, e eu consigo ver um carro vermelho na esquina.—Apertei meus braços olhando em volta.

—Okay, espera a gente e fica em alerta, se Thiago aparecer corre, eu não estou entendendo o que está acontecendo amiga, mas pode ter certeza que vamos te ajudar.

—Eu sei... Eu sei.

A ligação se deu fim, a brisa leve fazia meu corpo se arrepiar, olhei o telefone e eram três e quarenta e dois da manhã, como isso podia estar acontecendo? Eu não sei, mas eu queria entender tudo, cada carro que passava fazia meu coração querer sair pela boca, um medo surreal havia surgido dentro do meu peito, como se Thiago a qualquer momento fosse aparecer, se ele a qualquer instante fosse fazer algo, eu precisava de alguém, e as meninas estavam demorando tempo demais pra me encontrar.
—Amiga?—A voz calma e doce de Lais apareceu como sinos dos anjos, corri até ela e me enfiei em seu abraço enquanto meu corpo vibrava trêmulo.
—Sério, o que rolou?—Morgana chegava atrás tragando seu cigarro, parecia nervosa.—Se aquele cara te bateu.
—Não!—Quase gritei.—O pior que ele não fez nada.
—O que aconteceu?
—Eu estava dormindo... E de novo aquele meu sonho sabe? Só que dessa vez muito mais real, eu acordei em pânico, e agora meu estômago não para de doer, aparecia que o Thiago a qualquer momento ia... Me matar.
—Deve ser por causa do sonho amiga tenta se acalmar.—Lais mais uma vez me apertava fundo em seus braços.—Vamos pra minha casa.
O caminho todo foi um silêncio, Lais tentou quebrar o gelo colocando nossa música preferida e mesmo assim, as três permaneceram em silêncio, Morgana olhando através do vidro e eu escorada no banco de trás torcendo pra adormecer logo. Pela primeira vez em anos tive um surto, o que  eu definitivamente precisava alertar Cecília minha psicóloga pra me ajudar porque posso jurar que não vou conseguir me controlar mais perto de Thiago. Não sei se foi a brincadeira estúpida que me fez enlouquecer e querer ir embora, mas eu realmente estava assustada.
—Ei, chegamos.—Morgana alertava enquanto basicamente pulava de dentro do carro.
—Quantas horas?—Perguntei sonolenta, estava cansada e meu corpo pesado.
—Quatro e quarenta e oito, vamos dormir, estamos todas esgotadas.—Lais seguiu seria pelo corredor enorme de mármore branca.

Mais uma vez o silêncio, Morgana estava deitada em vários colchões no chão e abraçava um ursinho macio de Lais, Lais estava jogada no meio da cama e me puxava pra perto pra deitar com ela, eu não podia nem pensar em reclamar das duas, sempre cuidaram e ainda cuidam de mim como minhas irmãs, eu sou extremamente grata pela existência de ambas. Um vento forte passava fazendo a folhagens do coqueiro bater contra a janela do quarto, me encolhi ouvindo apenas a respiração de ambas, e assim, me permiti adormecer.

Em busca da minha metadeOnde histórias criam vida. Descubra agora