Capítulo 11 - A fuga

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Sete dias. Haviam se passado sete exatos dias.
Sete dias com Madame Sophie tentando me privar de ir trabalhar, por mais que em partes eu realmente não quisesse, era necessário para conseguir o bastante para fugir com Cíntia. Foram sete dias ouvindo Adelaide tagarelar sobre a vida após a morte e como as pessoas se encontram depois de morrer, sete dias com Pietro me dizendo que me amava e que se eu quisesse, e logo iria querer, ele ia pode demonstrar isso todos os dias. Sete dias em um loop infinito, no qual eu sempre tentava transparecer não sentir nada, mesmo sentindo. Os últimos sete dias no qual homens tocavam meu corpo de forma rápida, sete dias em que líquidos quentes entrava em contato com minha pele, sete dias no qual o álcool era minha maior companhia, sete dias com a ausência necessária de Cíntia, ninguém podia se quer desconfiar.
—Você acha que nunca vai encontrar a sua mãe? Mesmo com todos os dias eu te dizendo, assim que morremos e já estamos apitos a ser resgatados, nossa família vem de prontidão nos receber do outro lado da vida. Seja mãe, seja o que for, alguém no qual tenhamos ligação forte sempre vem ao nosso encontro.—Adelaide falava enquanto prendia seu cabelo em um coque solto.—Não é possível que a vida seja só essa, sinceramente.
—Adelaide eu não vou morrer só pelo fato de minha mãe ter partido.—A maçã entre meus lábios dificultava as palavras sair.—Eu aceitei, acho que é necessário, e eu não consigo imaginar que depois que morremos vamos encontrar alguém, seria lindo, mas a vida não é assim, ela é injusta, e mais injusta ainda a morte, então além dela seria impossível ter algo bom.
—Eu penso como a Adelaide.—Margot suspirava, sempre em seu universo particular.—Por mais que a vida seja injusta, não faz sentido ser só isso sabe? Eu acredito que ainda vou encontrar meu amor, se não for em vida, será após ela.
—Esse assunto já me deu nos nervos, eu não acredito e eu acho que está tudo bem.—Me coloquei de pé, e encarei ambas que agora suspiravam olhando pela janela, o olhar vago e distante.—Quero ir linda hoje.
—Você está sempre linda Frieda.—Disseram juntas enquanto riam, eu apenas ri junto, independente de tudo eu sentiria uma falta grande das duas, foram como irmãs para mim, cuidaram da minha dor como se fosse delas, me fizeram companhia quando ninguém jamais pensou que eu precisava, elas eram importantes, e seria triste demais ir embora assim, sem uma despedida, mas eu sabia que não podia então apenas respirei fundo, eu precisava me controlar, ou iria sair dizendo o que não devia.
—Parem de me olhar com pena, a dor no meu peito é imensurável, mas eu consigo lidar melhor.—Peguei um vestido leve, vermelho vivo, sem muita pedraria, não queria causar problemas na hora de partir pelo peso da roupa.—Hoje quero algo mais frouxo, leve, mas que continue sendo bonito e exalte a mulher que sou, o vermelho é a cor ideal, e esse é sem dúvidas o vestido que vou usar.
—Madam Sophie vai odiar.—Margot pegou outro vestido, azul, sem muitos detalhes mas ainda sim com pedrarias, ele não era tão leve quanto o vermelho, mas também não era tão pesado quanto os outros que eu usava.—Ela jamais vai permitir Dama da noite aparecer apagada.
—Mas é o que eu quero.—Relutei, apesar de Margot ter razão, eu jamais iria conseguir ir com aquele vestido, e era o único que eu queria levar comigo, Cíntia já havia organizado tudo, várias peças estava com ela, eu iria só com a peça do corpo até nosso encontro.—Ele é lindo também.
—Lindo, mas apagado, você brilha.—A voz de Madam Sophie ecoou o quarto todo me fazendo arrepiar.—Se quer algo mais solto, vá com o azul, eu não vou permitir esse vermelho.
—Eu vou continuar chamando a atenção mesmo sendo esse vermelho.
—Sei que sim, e não duvido, mas não vou deixar ir com ele, ou o azul, ou ficará aqui, decida.—Sua voz saiu fria.
—Eu vou com o azul.—Revirei os olhos enquanto ela soltava um riso nasal me olhando de cima em baixo.
—Pode ir com os cabelos soltos, vai combinar com o vestido.—Apenas concordei com a cabeça enquanto ela saia do quarto com os olhos vidrados em algo distante.—Encontro vocês na festa.

2 horas antes

O bordel estava vivo, como todos os dias estava, mas hoje parecia que estava mais, a música calma no fundo, as garotas se jogando sob os homens, as bebidas fortes e seu cheiro impregnado no ar, a janela ao lado da porta aberta trazendo para dentro o vento gélido é a luz da lua, Pietro me fitava do outro lado do salão, parecia saber todos os segredos que agora eu escondia, não deixei me abalar, engoli com força todo o líquido que estava na minha taça preferida enquanto deixava a bebida queimar minha garganta, acendi um cigarro como Madam Sophie sempre fazia, nos últimos sete dias eu aprendi a fumar, e não me orgulhava muito, mas os homens ali presentes ficavam em transe quando a fumaça escapava pelos meus lábios, eu achava graça.
—Você está diferente hoje.—Melanie disse me tirando do meu estado de paz interior, a voz dela me dava nos nervos e a existência dela me incomodava ao ponto de eu querer cometer atrocidades.
—Não estou diferente, você que está, para chegar ao ponto de trocar palavras comigo, só pode estar louca, ou com uma febre altíssima.—Segurei o riso enquanto colocava minhas mãos sob sua testa.—Devia procurar um médico.
—Não seja tola Frieda.—Ela respirou fundo enquanto se esquivava das minhas mãos.—Primeiro você odiava seu trabalho, sua mãe morre e você de forma repentina começa a amar aqui ao ponto de não querer ficar um dia sequer sem vim? Não sou tola Frieda, eu sei que você está escondendo algo.
—Exatamente.—Senti meu corpo tremer.—Queria ver se pelo menos aqui conseguia ver Cíntia, pensei que éramos amigas mas desde a morte da minha mãe, ela sumiu.—Menti, para meu próprio bem.—Mas pelo visto eu não era tão especial quanto imaginei que fosse.
—Cíntia só usa as pessoas.—Ela riu enquanto me encarava com a língua entre os dentes.—Agora entendo, sua amizade não é só amizade, você também tem sentimentos vivos por ela.—Seus olhos me congelaram enquanto ela se aproximava mais ainda.—Mas pode ter certeza, que no fim, é pra mim que ela vai voltar. Eu espero ela, passe o tempo que passar, Cíntia é minha, e sempre vai ser, fico feliz de saber que ela finalmente esqueceu você, enquanto você tem sua tristeza, eu sinto que minha glória está cada vez mais próxima.
Ela se foi, deixando o cheiro forte de vinho que estava em sua taça e os fios de seus cabelos balançar no ar, engoli seco, suas palavras foram certeiras pra fazer meu corpo tremer, eu estava com medo. Ou talvez fosse ansiedade, o misto de sentimentos agora existentes era demais, respirei fundo balançando minha cabeça, eu precisava esquecer isso e focar no que ia acontecer, eu estava feliz, muito feliz, e precisava entender que hoje era meu último dia, e ele valeria por todos os outros dias que senti medo de ser: Dama da noite.
—Quero saber quem vai me tirar pra uma dança.—Falei alto notando vários sorrisos maliciosos cair em mim. Vários olhares de desejo.—Por favor, é falta de educação deixar uma dama esperar por uma dança.
Uma fila interminável de homens estava agora em minha frente. Sorri de lado e caminhei entre eles, vários suspiravam com minha presença, eu apenas conseguia sorrir, parei de frente para um rapaz alto, cabelos curtos e batidos da cor da noite, seus olhos pequenos e caídos com um corte cicatrizado próximo a ele.
—Quero você.
Sem dizer uma palavra ele me tomou em seus braços fazendo alguns arfar,  seus passos foram calmos até o centro do salão.
—Me chamo Diogo.—A voz leve e calma me trouxe paz.—Obrigada por aceitar minha companhia, como é seu nome?
—Dama da noite. É um prazer conhecer você Diogo.
E isso foi toda nossa conversa, ele sorria me guiando com passos serenos e mesmo assim rápidos conforme a música, sua pegava firme, seus dedos escorregadios, rodamos juntos rindo enquanto a música apenas se acelerava, nunca acabava, eu me sentia bem. Muito bem. Ele sorria de canto enquanto de olhos fechados, girava seu corpo de forma doce e suave, ele era leve, como uma brisa da manhã e aconchegante.
—Você dança bem, Dama da noite.—Ele falava ofegante enquanto se soltava dos meus braços.—Eu precisava disso.
—Foi uma honra um par que dançava tão bem quanto você.—Sorri cumprimentando ele de forma cordial.—Venha mais vezes, será uma honra sua presença.
Ele assentiu, com a leveza que veio ao meu encontro, ele se foi, e eu pela primeira vez admirei, ele era doce como uma criança e eu sentia que se eu ficasse, seríamos bons amigos.

Em busca da minha metadeOnde histórias criam vida. Descubra agora