Ainda posso ouvir o som das botas dos soldados reais, batendo contra o concreto do solo do palácio. Ainda posso ouvir o nome do rei, sendo proferido com orgulho, um som anasalado e esperançoso. Ainda posso sentir o meu corpo se petrificar diante do olhar confuso da minha família —ali quase fraquejei —. Às minhas mãos e dedos tremiam incansávelmente, meus olhos tentavam mirar as extremidades do reino, mas casas e árvores atrapalham a minha vista. Uma fuga inútil do que viria a acontecer daquele segundo em diante, do minuto que o rei Liam estava me esperando, " para conversar ". A garganta seca, a língua gruda no céu da boca, porém ninguém percebe, quem realmente notaria a minha postura totalmente petrificada?A figura ao meu lado, se opunha a ficar, sabe se lá, por qual motivo, mas me afastei. As direções e posições estão tomadas e não há como voltar atrás.
Respirar, consolidar a postura do braço, para ter firmeza nos dedos e não errar o alvo. Não era algo difícil, quer dizer, dos meus dez aos quinze anos eu adorava fazer o uso da flecha, perdia horas treinando a minha mira e o meu equilíbrio, por conseguinte, atingia sempre o alvo, porém não em dias que a minha cabeça estava uma bagunça, como agora. Nunca cheguei a acertar algum animal, porque repúdio este ato tanto quanto o que tem ao meu redor, prefiro acertar uma pessoa.
O meu dedo indicador, pressiona-se contra o fio de cobre, meu olho direito fecha-se, como um nórdico pirata, prestes soltar o dedo e atingir o menor círculo vermelho, ouço passos e uma inusitada inspiração atrás de mim. Fingindo que não ouvi, tento recobrar a determinação novamente, contando até 50, esperando quem quer que seja, dar no pé. Mas não é muito bem isso que acontece.
—Admiro mulheres que saibam manusear o arco e flecha. — Contenho-me para não revirar os olhos. — Desculpe por atrapalhar jovem senhorita, mas daquela janela. — Ele espera que eu o olhe para ver o seu gesto, como não faço questão, recolhe a mão no bolso da calça, como se tivesse levado um soco no estômago. — Vi sua presença e não me contive a vir e a elogiar por sua boa pontaria.
—Sequer atirei ainda.
—É inerente, reconheço pessoas com alta agilidade e você possui uma. —Finalmente olho para o seu semblante cordial, os olhos cor de castanhas observam-me analíticamente, sua sobrancelha grossa ajuda a contornar as molduras do seu rosto, quase assimétrico. Diferente da irmã, que expira gentileza por onde passa, Ezra não me passa tal credibilidade. — Volto a minha atenção para a pontaria, em um mísero segundo, a flecha encontra o seu sentido bem no meio do alvo. — Parabéns. — Suas solenes palmas, conseguem me deixar mais desconfortável do que com sua aparição. — Esse palácio não é bonito? Principalmente o glorioso jardim da rainha Katherine. — Agacho-me pegando as minhas coisas, jogando todas diretamente em uma mochila preta, querendo sair de fininho daqui, o mais rápido possível. — Olha só quem vejo daqui, a minha caridosa irmã! Ela e o Hades fazem um casal tão, tão fofo. Você não concorda, Nepsa? — O tom de sua voz nessa interrogação, remete-me a algo nojento e pavoroso. Ele sabe do meu envolvimento com Hades, aliás não tem como ninguém saber, já que era alto tão visível quanto a luz do sol agora.
Respiro fundo.
—O que você quer, jovem príncipe? —Respondo-o com certa rispidez controlada, ele parece ter atingido o seu objetivo. — Porque estou tendo a honra de sua magnífica e adorável presença? Em um dia tão cheio de vida e certamente, com outros um milhão de coisas para se fazer? — Um sorriso triunfante transforma-se em seu rosto, meus pelos do corpo automaticamente ficam arrepiados.
O rapaz dá meia volta, de costas para mim, seu olhar vai de encontro a figura de Hades e a princesa. Seu silêncio cheira a intriga.
—Apenas quero saber, porque o rei no dia do anunciamento do noivado, estava no corredor, singelamente próximo demais de uma jovem insignificante como você? Posso supor que talvez há uma suposta traição vindo da protegida da rainha? — Sinto as minhas bochechas queimarem. — Ou estou errado, senhorita Nepsa?
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Reinado das Sombras
FantasyO enigmático rei Liam, continua perpetuando o legado de seu pai, contudo, os seus passos são autocentrados unicamente em seu ego, tirando do caminho qualquer um que se atreva a tirar a coroa de sua cabeça. Depois de longos vinte anos de uma monarqu...