V - Tentativas fracassadas

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THEODORE FLETCHER

Levito os livros do carrinho e observo os adesivos em suas lombadas, identificando a que lugar eles pertencem e os direcionando para suas respectivas prateleiras. Confesso que assistir toda essa movimentação pode ser gratificante, mas ultimamente nada me agrada com a mesma facilidade de antigamente. É frustrante.

Respiro fundo e tento me concentrar nos títulos escritos nas lombadas, ásperas ou lisas, atrativas ou não. Nada me cativa, mas gosto de sentir as texturas das capas nas pontas dos dedos, por isso, não paro com o meu trabalho voluntário predileto. O carrinho me segue, cada vez mais vazio.

Há burburinhos de conversas para todos os lados, poucos parecem dispostos a respeitar a placa que exige silêncio na biblioteca, mas não vou fazer disso um problema meu. Só quero que me ignorem como fazem quando estamos aqui, preciso me aproveitar com tudo de momentos como esse.

Meus pulmões vão se enchendo com ar e o expelindo. Todo tipo de textura passa pelos meus dedos apressados. Veludo, couro, mais pele de animal, mais plástico. Ando devagar e abro espaço entre livros grossos para encaixar os últimos disponíveis no meu carrinho. Quando essa parte do meu trabalho acaba, paro de me mover e olho para os lados do corredor vazio. Me sinto pequeno entre as altas estantes, mas não é uma sensação ruim. É um lugar de paz e eu estou cercado de histórias que não podem ser mudadas.

Eu detesto a mudança.

Volto a caminhar, passando os olhos pela área de livros sobre maldições. Eles têm poder próprio e não são muito agradáveis de se estar perto. Encaro as correntes que os prendem nas quatro prateleiras e dobro o corredor.

Não prevejo o encontro brusco que tenho com outro corpo no meio da curva.

— Au! — exclama a garota com quem me esbarrei e não demoro mais do que um segundo para reconhecê-la.

Dubois, uma parte de mim rosna com raiva. Tento me lembrar que ela não tem culpa de nada. Não tenho que ter raiva dela, penso. Isso não me impede de nada. Quando ela me reconhece, o clima fica estranho e desconfortável. Minha paz evapora em um estalar de dedos. Ela tem que tomar tudo de mim?

— Oh, desculpa. — Ela diz e nós ficamos parados ali, apenas nos encarando. No futuro, ela será minha.

Eu não a quero.

Fazia tempo que tínhamos ficado tão perto. Ela está a um passo de distância e todas as suas sardas me incomodam. A garota pisca algumas vezes, olha para os meus lábios e depois os meus olhos. Seria muita grosseria simplesmente deixá-la aqui? Não posso sair correndo como um garotinho assustado, seria vergonhoso.

— Com licença — peço e ela aquiesce, sem jeito, me deixando passar. Passo por ela sentindo um cheiro suave de cupcake e consigo dar cinco passos para a liberdade, trazendo o carrinho comigo.

— Não. Espera. — Ela muda de ideia. Comemorei cedo.

Tenho que parar porque não fui educado para ignorar quando me chamam, muito menos alguém que será muito útil para mim.

Viro o rosto e espio a mais baixa por cima do ombro, quero deixar implícito que não tenho a mínima intenção de falar com ela e que poderia manter o silêncio até depois de nos casarmos. Ela caminha em passos apressados para minha frente e puxa fôlego como se estivesse prestes a mergulhar em águas frias.

— Eu sei como se sente, mas nós não podemos nos evitar para sempre, senhor Fletcher. — Camille Dubois olha no fundo dos meus olhos enquanto fala. Me surpreende que ela tenha tomado uma atitude apesar dos sinais que dei.

Apenas a encaro, se não tenho o que falar, permaneço calado. Aparentemente, eu devia ter alguma coisa na ponta da língua para não a deixar desconfortável, mas não me interessa. Ela levanta as sobrancelhas e me examina com expectativa.

OS DESONRADOS FLETCHEROnde histórias criam vida. Descubra agora