IV - Um dia normal

7.3K 788 238
                                    

CAMILLE DUBOIS

Eu sempre soube quem era Theodore Fletcher, mas nunca me perguntei a seu respeito. Não tinha o menor interesse, só a certeza gravada na minha cabeça de que ele era alguém com quem eu não me misturaria pois ele estava em um patamar inalcançável para pessoas com a poupança igual a minha e nenhum momento desejei que isso mudasse.

Mas mudou e eu passei a me perguntar. Queria saber quem era meu futuro marido e não obtive nada em minha primeira semana de observação.

Ele é estranho e tem uma rotina pouco modesta. Regrado como o garoto de ouro que foi titulado a ser, Theodore não faz nada para chamar atenção para si, mesmo que, por reflexo de seu nome, ele pareça brilhar quando caminha — tem olhos o acompanhando onde quer que vá. Ele é uma celebridade. O irmão do desertor vindo de uma família de destaque, claro que haveria um holofote apontado diretamente para ele enquanto seu irmão vive no anonimato, esquecido pela mídia.

A primeira conclusão que chego ao pensar um pouco mais sobre o Fletcher é que tenho pena da sua vida. Ele está completamente sozinho desde que seu irmão se formou, aquele não saía de seu pé mesmo sendo ignorado ou até atacado com palavras rudes. Poucas de suas discussões foram públicas e Theodore deve ter tido muita paciência, porque Simon conseguia tirar qualquer um do sério. Ele era popular, adorado e odiado por isso.

Minhas semelhanças com ele acabam aqui. Ainda que meu irmão mais velho também seja um desertor e tenha "traído" minha família ao se casar com uma mulher sem magia, ele segue sendo meu melhor amigo. Como o Fletcher poderia superar um laço tão forte por causa de um preconceito tão medíocre? Os irmãos são para a eternidade, mas aparentemente ele não teve alguém para lhe dizer isso. Pergunto-me como ele não poderia ter o senso por sua própria natureza, mas talvez seja pedir muito de um Fletcher. Ele vem de uma linhagem de Feiticeiros poderosos, frios e egocêntricos, inclinados ao ódio e à guerra. Talvez ele só seja mais Fletcher do que seu irmão poderia ser.

Ele não esboça expressão nenhuma enquanto seus olhos cinzentos correm pelo Salão. Não identifico tédio ou orgulho. Ele não é necessariamente arrogante ou mesquinho. É apenas na dele. Se senta com suas primas ou os garotos da Elite e vive sua vida, preso no mundo enorme em sua cabeça. Sua poderosa aura de mistério me irrita. Eu fico cada vez mais curiosa, queria arrancar algo dele, mas não sei como ou o quê.

— O que tanto encara, Millie? — Minha colega de quarto, Jessica Fanny, me pergunta. Desvio o olhar de Theodore do outro lado do Salão e encaro a morena à minha direita.

Jess é o tipo de garota que é denominada como vadia pela maioria em apenas uma olhada. Com os longos cabelos negros e pele pálida, ela está tão dentro dos padrões quanto eu e uns níveis acima. Seus olhos azuis e decotes ousados deixam qualquer garoto de joelhos, mas não é para esse público que ela joga seus beijos. É um dos motivos de nos darmos bem.

— Eu não estava encarando nada. — Digo, ajeitando a postura e me concentrando no meu prato de comida. As asinhas de frango me fitam de volta, desanimadas. Jess pega uma mecha dos seus cabelos lisos e a enrola no dedo, distraída.

— Ah, estava sim.

— Está imaginando coisas, garota. — Balanço a cabeça, forçando um sorriso.

— Eu não imagino, eu vejo — ela me dá um sorriso malicioso e se aproxima, piscando inocentemente. — Sei que direção é aquela, mocinha. Sua ex-namorada está te pedindo uma segunda chance? — ela sussurra e eu arregalo os olhos para que ela cale a boca.

— Não é nada disso! — sibilo com o rosto quente, preocupada que alguma de nossas amigas tenha ouvido. Nenhuma delas está olhando e eu suspiro aliviada.

OS DESONRADOS FLETCHEROnde histórias criam vida. Descubra agora