I - Os arranjados

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THEDORE FLETCHER

Não consigo dormir há dias e não é por falta de querer. Meu corpo está pesado, tal como minhas pálpebras, mas não sou capaz de encontrar conforto o suficiente dentro de mim para adormecer e sonhar com a prosperidade.

Chove intensamente do lado de fora e talvez seja culpa minha, só que não tenho interesse de olhar pela janela para me certificar de que há mais nuvens no céu além de nossas terras. Não tenho coragem de sair da cama.

Estou deitado de barriga para cima e contemplo o teto escuro, iluminado vez ou outra por um raio brilhante. Minha boca está seca e meu cérebro está lento. Queria ser capaz de fazer o mundo parar de girar para que o amanhã não chegue. Engraçado é poder controlar tantas coisas e ainda não conseguir controlar o tempo que passa... ou a minha própria vida.

Evito olhar para o relógio na mesa de cabeceira, pois sei que vou me frustrar com o que quer que esteja gravado ali em vermelho. Encho os pulmões com ar e solto, fechando os olhos. Não me sinto melhor ou pior. É tudo o mesmo.

Queria que esse dia não acabasse, poderia o reviver um milhão de vezes se fosse preciso.

Sinto o poder que emana das nuvens acima de minha casa, como se as tivesse nas palmas das mãos ao invés dos lençóis sob meu corpo. Deslizo as mãos pelo tecido fino e liso e trovoadas fortes ecoam. As nuvens choram lágrimas que nunca irei derramar.

Eu não costumo manipular o tempo dessa forma, mas é o único jeito que tenho para me distrair e não apelar para o uso do fogo. Minha raiva tem que sair de alguma forma, nem que seja atirando raios sobre todas as terras de Regalis.

Pensei que meus pais estariam dormindo a essa hora da noite, mas um agito repentino chama a minha atenção e eu me sento de uma vez com o susto. A porta do final do corredor foi fechada com agressividade e passos são ouvidos, abafados pelo tapete que se estende sobre o piso. Vejo por baixo da minha porta uma luz vermelha se aproximando. Parece que o fogo vai tomar conta da casa, tal como os Fletcher estão fadados.

— Não dê as costas para mim, Pandora! — A voz raivosa de meu pai, Azrael, ressoa à distância. — Eu não terminei de falar!

A luz para de se mover diante da minha porta e se vira para a direção contrária.

— Você pode reverter isso, só não quer! Ainda há tempo de casá-lo com Cassiopeia e manter a imagem de nossa família intacta! — minha mãe responde, angustiada. Sei que está falando de mim e, aparentemente, sua discussão não começou agora. Cerro os dentes e fecho os olhos novamente.

— A garota chega amanhã para a sua visita, não há como impedir. Ela é uma Feiticeira Real, nós precisamos dela e ela precisa de nós. Sabe o que o governo faria para acabar com ela silenciosamente!

Se ela for mesmo uma Feiticeira Real, é perigosa demais e nós deveríamos seguir a lei e reportar as suas habilidades. Não tem como sabermos a intenção dessas pessoas ao se aproximarem de nós, você quer levar Theodore para o abate quando ele é tudo o que nos resta!

— Sabemos a intenção deles. Eles querem poder e nós também. É óbvio que podemos beneficiar mais uns aos outros juntos do que separados. Imagine a que nível chegaremos com o que Theodore e Camille podem fazer juntos. — Há cobiça no seu tom e eu o detesto por isso. — Imagine os filhos deles.

— Eu já ouvi bastante das suas motivações fúteis no último mês! Acha que sua vaidade me contaminará e eu vou ignorar o fato de que esta família não tem nada. — Ela rosna e ele suspira. — Eles são como animais administrando uma fazenda, sem nome ou coordenação. Estão muito abaixo de nós.

OS DESONRADOS FLETCHEROnde histórias criam vida. Descubra agora