Na semana seguinte, Ana respirou fundo e fez o que precisava fazer.
Sentou-se diante do diretor, disse-lhe que estava saindo da escola e esperou pelo sermão degradante. Contudo, não ouviu o que tinha se preparado para ouvir. Carrancudo, o diretor não perdeu a oportunidade de monologar sobre a falta de comprometimento das pessoas no trabalho e sobre a perda cada vez mais preocupante de valores éticos e morais em uma "sociedade que já não respeita coisa alguma", segundo suas palavras, mas não tocou no nome de Vítor e sequer mencionou o que tinha acontecido na festa de formatura. Ana compreendeu, incrédula, que o diretor era do tipo que acreditava que, se não falasse sobre o problema, ele desapareceria. Não admitia que um escândalo como aquele ocorresse em sua escola e tinha escolhido varrer a história para baixo do tapete.
Ana agradeceu mentalmente pela perspectiva limitada do diretor.
Depois, foi até a casa da avó, e enquanto esta colocava bolo e café recém passado sobre a mesa, como de costume, Ana despejou logo toda a verdade antes que perdesse a coragem. O café esfriou ao longo daquela torrente que tinha começado tímida e hesitante, falando sobre Vítor e sobre como ela o amava, e que acabou de forma quase indignada porque Ana não conseguia entender como a sociedade podia ainda ser tão antiquada. Depois de revelar que iria morar com Vítor na capital e considerar que não havia mais nada para contar, Ana aguardou pelas reprimendas da avó, mas tudo o que recebeu foi um sorriso consternado e tapinhas gentis sobre o dorso de uma mão.
Então a avó lembrou-lhe do que já havia dito sobre não existir um amor que fosse errado, indigno de ser vivido, e Ana não pôde evitar abraçá-la com lágrimas nos olhos, pensando no quanto sua avó era incrível, uma senhora moderna para a sua idade. Também pensou com surpresa na sorte que a acompanhava naquele dia, porque tudo estava dando certo e ela ainda não tivera que lutar contra um bicho de sete cabeças.
Porém, aquilo não se repetiu com Janine – porque Janine era Janine, uma fera presa dentro de um corpo de mulher. Estavam em uma cafeteria e a amiga quase cuspiu longe o suco que tomava quando Ana contou-lhe que namorava um garoto de dezessete anos há praticamente um ano, um garoto que tinha sido seu aluno ao longo desse tempo, e que agora os dois morariam juntos. Janine começou a falar alto demais, chamando-a de louca e destacando todos os pontos absurdos daquela situação, porque Vítor obviamente ainda era uma criança, e Ana encolheu-se em seu lugar.
Achou que a amiga chegaria ao ponto de bater-lhe, talvez acertá-la com o suporte de guardanapos, mas Janine apenas continuou falando e falando e, por fim, magoada, acusou-a de não ter dito a verdade desde o início para sua melhor amiga. Então era aquilo. Ana compreendeu que Janine não era assim tão ortodoxa e que o que realmente a incomodava era o fato de que Ana não havia confiado nela ou acreditado que ela seria capaz de apoiá-la, apesar de tudo. Sentindo-se péssima, porque sua melhor amiga sempre tinha estado ali, Ana agarrou-a em um abraço sufocante e pediu perdão.
Pediu que Janine não a odiasse para sempre, embora ela merecesse.
E quando a amiga reclamou que ela estava arruinando seu cabelo e que todos estavam olhando, Ana sorriu e entendeu que nem tudo estava perdido.
Ao fim daquele dia, ela sentiu que tinha feito as pazes consigo mesma.
***
Os pais de Vítor, entretanto, não ficaram sabendo que o filho estava se mudando com a namorada – muito menos que a namorada tinha dez anos a mais do que ele e que havia sido sua professora até poucos dias atrás – e Vítor deixou que eles apenas ficassem felizes com a aprovação na faculdade. É claro que, se pudessem escolher, teriam feito com que Vítor cursasse algo dentro da área da agronomia, um curso que futuramente o ajudasse a continuar os negócios da família. Porém, acabaram aceitando que um engenheiro mecânico também tinha suas utilidades no campo, uma vez que a produção estava se tornando cada vez mais automatizada e tecnológica.
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Ruído
RomanceAna é a nova professora de literatura da escola. Vítor, aluno do último ano do Ensino Médio. Ela tem 27 anos e ele 17. Entre eles, além das distâncias mais óbvias, impõem-se todo um mundo de regras, valores e preconceitos. Nada disso impede, contudo...