Piloto

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N/a: Menção à violência sexual, pode ser gatilho.




Os gritos ensurdecedores de desespero e dor ecoavam por todo o vilarejo, trazendo um clima ainda mais caótico ao ambiente tingido pelo escarlate, que se misturava ao barro e as gotas da densa chuva que caía.

A menina que voltava caminhando com um sorriso no rosto após ganhar o seu tão esperado grimorio deixou que a alegria fosse tomada pelo horror, assim que colocou os pés nos arredores da vila.

Bandidos, mercenários contratados para dar cabo daquele vilarejo se moviam como enviados da própria morte ali.

Sentiu as pernas fraquejarem e o peito doer, segurou firme o pingente que sempre levava consigo e correu rumo ao lar que a acolheu por tantos anos. A porta jazia no chão assim como o corpo do casal que a criara como se fossem do mesmo sangue, as duas mulheres que antes irradiavam um brilho maior que a própria magia da garota, estavam opacas.

Ambas sem vida, com as vestes rasgadas e corpos visivelmente violados. Sentiu um gosto amargo subir à boca e logo uma voz próxima chamou a atenção da garota, se virou lentamente e com os olhos marejados pela raiva que tomava cada fibra de seu ser.

-Aqui tem mais uma! Deve ser a garota estrangeira que eles querem! - A voz daquele homem lhe deu náusea, a grande capa preta que cobria seu corpo caiu aos seus pés a medida que andava na direção dos executores de seu vilarejo.

Antes que qualquer palavra pudesse ser dita, a cabeça daquele emissário do horror já não estava mais conectada ao seu corpo.

Um por um ela caçou os invasores e fez questão de trazer aquele mesmo desespero que ecoava por Bruges minutos atrás, quando S/n deu por si já tinha acabado com a vida de todos, caminhando até seu lar se debulhando em lágrimas, agora de dor pela perda.

Três dias se passaram desde então, a notícia do massacre do vilarejo de Bruges tinha chego à capital do reino de Clover e antes que qualquer cavaleiro mágico aparecesse por lá, S/n tratou de enterrar todos os moradores e adornar o túmulo de suas mães antes de sair com apenas uma bolsa com roupas e utensílios para caça que usaria a partir dali.

Não muito tempo depois alguns membros dos cervos cinzentos chegaram ao local, o capitão loiro dos olhos arroxeados logo percebeu o vestígio da magia da garota.

-Oe, tem túmulos recém cavados por aqui, quem quer que tenha sobrevivido enterrou todo mundo. - O jovem de cabelos negros como sua magia se aproximava de maneira desleixada dos dois companheiros.

-Tem vários ossos de corpos queimados no o galpão, as roupas que estão amontoadas são típicas de mercenários. O que quer que tenha acontecido por aqui foi sério. - William se aproximou de Julius.

-Eu consegui identificar um rastro de magia do sobrevivente, podemos seguir já que a pessoa não soube apagar muito bem todos os vestígios. - Ao longe uma casa chamou a atenção do mago, quando deu por si já estava caminhando rumo ao local.

Adentrou a humilde residência sentindo o cheiro metálico do sangue, estava fraco mas ainda impregnada todo o cômodo de entrada. Tomado pela curiosidade, visitou cada cantinho da residência até encontrar o quarto onde a garota dormia todos os dias.

Encontrou algumas cartas curtas e ao ler o conteúdo descobriu que aquela casa abrigava um casal de duas mulheres e uma criança estrangeira assim como Yami.

Se sentou sobre a cama, escutando a madeira velha ranger e leu o restante das palavras em uma caligrafia praticamente perfeita, que poderia facilmente ser de alguém da realeza.

Seus olhos se arregalaram em surpresa e empolgação quando soube que a criança possuía uma magia tão rara quanto a do garoto de olhos negros.

Desceu as escadas com cada fibra de seu corpo tomada pela adrenalina da descoberta e tratou de apressar os dois garotos que o esperavam.

-Ei, o que é que está acontecendo? - Yami ralhou enquanto era empurrado por seu capitão.

-Ela é estrangeira e possui uma magia incrível! Temos que achá-la! - Praticamente gritou em excitação pela jornada que se tornou outra coisa.

-Como você sabe que é ela e é estrangeira, Julius-sama? - William.

-Encontrei algumas cartas lá dentro, ela enviou para as suas mães e bem, acredito que encontramos a sobrevivente daquele massacre.

-Não deveríamos relatar ao QG? - O garoto perguntou enquanto acompanhava o caminhar dos parceiros de esquadrão.

-Se relatarmos isso, as chances dela ser executada são grandes. Temos que apurar os fatos antes de passar um relatório, principalmente quando se envolve tantas vidas assim.

Com isso, todos se calaram a agora era questão de tempo até encontrarem S/n, estavam na sua cola e seguindo seus rastros.

A garota se via exausta da viagem e resolveu montar um acampamento improvisado no meio da floresta, próximo ao rio que lhe renderia uma boa porção de água.

A água fervia enquanto o sol se escondia no horizonte, o cheiro do ensopado que ela fazia se alastrava sorrateiramente mata a dentro. Os peixes capturados pela menina eram assados próximos às chamas alaranjadas enquanto ela afiava sua faca, revivendo os últimos momentos de felicidade em família antes de tudo desmoronar.

Escutou alguns galhos quebrarem e todos os seus instintos se afiaram, a adrenalina começava a correr pelo seu sangue, lhe deixando em alerta.

S/n estava cansada da viagem que fazia, seu corpo estava dolorido do tombo que havia tomado em um morro horas antes. Mas se a tentassem capturar teria que lutar.

-Quem quer que esteja aí, apareça. Não vou hesitar em arrancar sua cabeça fora. - O tom de sua voz mostrava que não era apenas um blefe, antes que Julius pudesse dizer alguma coisa Yami tomou a frente e tentou atacar a menina por trás.

S/n usou da velocidade que tinha e rapidamente desviou da investida do garoto, sentiu a bochecha arder e a tocou, vendo o escarlate na ponta dos dedos.

Sem nem mesmo abrir o grimório em sua cintura, foi capaz de jogar o adversário alguns metros longe, danificando algumas árvores no processo.

Antes que a situação se agravasse por um mal entendido, o capitão do esquadrão tomou a frente e quase foi atacado por uma flecha de luz.

-Não estamos aqui pra te machucar S/n. - Levantou as mãos sendo seguido de William que apareceu logo atrás.

-E como raios sabe o meu nome? - Os olhos naturalmente "estreitos" se estreitaram ainda mais na direção deles.

-Encontrei as cartas na sua casa, sinto muito pela perda. Fomos enviados para investigar os relatos do massacre de Bruges, mas quando chegamos lá mais parecia uma vila fantasma. Antes de enviar um relatório ao QG gostaria de ter a sua visão do ocorrido.

Cansada, a garota escolheu acreditar na palavra do cavaleiro e se sentou no pequeno tronco, mexendo com uma colher de metal o seu ensopado.

Depois de contar tudo o que sabia, depois de muita insistência do mago ela lhe mostrou o grimorio.

Poderia dizer que seus olhos tinham se tornado estrelas facilmente.

-Me deixe cuidar das suas costelas como modo de me desculpar, não se ataca alguém por atrás daquele jeito Yami. - O grimorio se iluminou e as páginas foram passando até chegar no feitiço que ela queria. -Magia de recuperação de luz: manto de Bishamonten.

Uma espécie de manto se formou sobre a pele de Yami o local se iluminou um pouco por conta da luz da magia executada. Aos poucos ele se sentia menos dolorido.

-Tsc, queria ver se era esperta o bastante pra não morrer no primeiro ataque.

-Uau, que incrível! Nunca tinha visto uma magia de luz de perto! - A empolgação na voz do mais velho tirou um riso cansado da menina que logo se serviu de uma porção do ensopado.

-Podem comer, tem o suficiente pra todos e acredito que não devem ter comido nada até agora. - Ela mordeu um pedaço do peixe, segurando firme o graveto no qual ele estava espetado.

Não perdendo tempo pois estava faminto, o espadachim se serviu sendo seguido pelos outros dois parceiros.

Wɑtɑshi no senchō - (Yɑmi X Leitorɑ)Onde histórias criam vida. Descubra agora