Capítulo III: Loja de perguntas

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"Você se arrepende do passado? Não falo sobre as coisas que fez, acho que todos nos arrependemos dessas, mas das que deixou de fazer por medo. Me arrependo delas todos os dias, acho que eu demorei tempo demais para perceber que não tinha todo o tempo para mim"

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Os Kim de Ilsan se mudaram para o terceiro andar do 1610 da Rua Sete em setembro de 1990.

Não trouxeram muita coisa. O caminhão que fez o carreto não demorou muito para despejar a vida da família na calçada em frente ao novo endereço. Do lado das caixas, sacolas e móveis desmontados, estava o filho único do casal de professores, apertando com os dedos pequenos as alças da mochila aparentemente pesada que trazia nas costas.

Seokjin se lembrava daquele dia com uma clareza límpida e sabia que os outros dois também.

Depois de finalmente voltar para a cama com o marido, ele não podia deixar de se lembrar que antes daquela tarde de verão em que os Kim de Ilsan se mudaram para o prédio da esquina, ele tinha rezado por semanas a fio para que Deus pudesse trazer alguém que o ajudasse a tirar a tristeza dos olhos de Taehyung.

Tinha muito medo de perder o melhor amigo e sentia que sozinho ele já não era mais o suficiente. Então Namjoon chegou com sua pouca mobília e sua mochila pesada.

Recordando-se daquele dia, ele jamais poderia imaginar que algum dia acabaria se apaixonando por aquele garoto estranho.

Se sentia um tanto culpado toda vez que se lembrava de que o que o motivou a desejar a chegada do novo vizinho fora a pura incapacidade de ser o bastante para Taehyung. Mas no fim das contas, ele e o melhor amigo que tiveram que garantir que o menino novo não desmoronasse no primeiro pé de vento.

Namjoon era franzino, pequeno demais para seis anos, e parecia ter medo de tudo e de todos. Quando ele e Taehyung saíram correndo com os pés descalços e os cabelos ainda encharcados do banho para encontrá-lo ainda parado em frente a nova casa, ele parecia querer desaparecer para dentro do chão.

Foram semanas até que ele finalmente passasse a falar com eles, um processo lento até que ele se certificasse de que os outros dois não eram uma ameaça.

Então eram três. Os três Kim da Rua Sete.

Taehyung acabou tomando a tarefa de cuidar de Namjoon e a tristeza só voltava a pintar seus olhos quando Seokjin podia ouvir os gritos na casa onde os Kim de Daegu moravam. Mas com Namjoon por perto, ela nunca durava.

Chegou a ter ciúmes da superproteção do mais novo com o garoto do 1610, mas com o tempo eles acabaram virando uma espécie de unidade de suporte esquisita em que nunca se sentiam sozinhos, nem mesmo quando acabavam discutindo por alguma brincadeira boba ou brigando pelo último doce do pacote. Eram três.

Até que deixaram de ser.

Seokjin se lembrava com clareza de como tudo começou, mesmo que fosse tão jovem quanto os outros dois. Inícios são fáceis de se lembrar, mas os fins sempre se gravam de forma ilegível na memória.

Talvez tenha sido quando ele notou a forma como Taehyung olhava para Namjoon. Talvez tenha sido quando Namjoon teve sua primeira namorada e ele quase morreu afogado em ciúmes e Taehyung se isolou tão completamente de tudo que deixou até mesmo de frequentar a sua casa. Mas Seokjin tinha quase certeza que assim como tudo começou, terminou também por culpa de uma oração sua.

Pediu com lágrimas nos olhos para que os dois fossem dele e foi punido por seu egoísmo.

Observava o rosto adormecido de Namjoon iluminado suavemente pela luz azulada da lua que invadia o quarto dos dois e se perguntava se Deus tinha tido misericórdia de seu sofrimento e por isso o presenteou com a presença brilhante do marido, ou se apenas tinha recebido aquele presente para jamais se esquecer que falhou e que não é digno.

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