Pica-Pau e o Pacto do Emprego

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O PRIMEIRO azarado dessa história é Pica-Pau. Não é como se ele tivesse inventado o azar (até porque ele nasceu em Acerolinhas), mas seu caso é muito mais interessante do que o das pessoas que vieram antes dele. 

Para resumir, era um homem honesto, humilde e da igreja. Com 19 anos casou-se com a bela e inocente Pópis, e logo então entrou para a fábrica de bolas de futebol do Sr. Hopkins para poder sustentar sua família.

Seu patrão Jimmy Hopkins era de longe um dos maiores filhos da puta da cidade. Ele sempre maltratava seus funcionários por serem pobres e fazia questão de culpá-los pela sua situação, dizendo que seus subordinados devem agir como ele para terem uma vida decente. Para completar o pacote, seu falso discurso de encorajamento não fazia sentido, já que ele nasceu rico e nunca teve que fazer nada para vencer na vida. 

Ainda assim, Pica-Pau aguentava as condições precárias da fábrica, porque no final era tudo pelo bem de sua família. Anos depois nasceram seus três filhos — Pérola, a mais velha, e os gêmeos Sônio e Estônio —, trazendo mais desafios para manter a casa. O trabalhador continuou firme e forte; não importa o que o destino lhe jogasse na cara com a força de um canhão de artilharia, ele acreditava que tudo iria melhorar.

Mas era inevitável que o homem bom fosse corrompido pela sociedade. É aí que a verdadeira história começa.

***

Certo dia, Pica-Pau saia tranquilamente da fábrica após um longo dia de trabalho. Nisso, ele passou perto do escritório de Hopkins e acabou por ouvir murmúrios estranhos por trás das paredes. Curioso, ele parou para escutar. 

Isolado na sala abafada, Jimmy Hopkins reclamava com o secretário sobre a crise atual em Jilipoca e o aumento dos custos da fábrica. Depois de alguns minutos de conversa, o patrão encontrou a solução final para seu problema: demitir 100 funcionários. 

— Obviamente, uma quantidade gigantesca de pessoas passará fome, mas foda-se eu não vou perder grana. — disse o chefe.

— Pois é mano. — respondeu seu secretário.

Pica-Pau se sobressaltou; arregalando os olhos, ele percebeu que seria um dos primeiros a ir pro olho da rua.

Ele correu desesperado pelo subúrbio, procurando por qualquer um que lhe pudesse garantir uma vaga. Tendo uma mulher e três filhos, ele não podia arriscar ficar desempregado. Dentre todos os anúncios da cidade, foi uma placa em frente ao Beco do Sombrio que tinha a melhor proposta:

"SEU BARRIGA CAPITALISTA

PACTO DE EMPREGO, TRAGO O SALÁRIO ATRASADO EM 3 DIAS E ATRAIO PROMOÇÃO".

Pica-Pau entrou no beco na hora e encontrou Seu Barriga, sentado numa poltrona muito mais pomposa do que o esgoto que havia ao seu redor. Ele implorou de joelhos para que o burguês o ajudasse, falou da mulher e dos três filhos, as contas para pagar e até mesmo dos impostos que devia ao governo. Soltou todas as preocupações que carregava os ombros. O pai de família declarou que desistiria de qualquer coisa, mas que não ficaria sem trampo.

Barriga sorriu e concordou em o ajudar. Porém, havia um preço: para fazer o ritual do pacto do emprego, Pica-Pau deveria dar metade de sua alma. O trouxa aceitou.

No início do ritual, eles desenharam um pentagrama no chão e o enfeitaram com carteiras de trabalho roubadas. Para terminar o processo, o círculo deveria ser molhado com as lágrimas de um pobre, então Pica-Pau se sentou no centro dele e lembrou do Fiat Uno que teve que vender após descobrir a segunda gravidez da Pópis. 

Foi super eficaz. O céu ficou vermelho-sangue e as nuvens assumiram a forma do Tio Patinhas, e em questão de segundos tudo voltou ao normal. Uma besta saiu do chão, abrindo o concreto com suas unhas, e começou a ricochetear loucamente pelas paredes do Beco do Sombrio. A criatura era idêntica ao Pica-Pau, mas com um olhar alucinado, penas desarrumadas e com cara de quem vai aprontar. O trabalhador e o ritualista correram pra pegá-la, mas ela voou com a velocidade de um jato. 

Pica-Pau se arrependeu instantaneamente do trato, já que a metade de alma que ele sacrificou deu origem a um demônio caótico, mas Seu Barriga disse que isso era normal. Ele voltou para casa e continuou o seu dia como se nada tivesse acontecido. O Sr. Hopkins não o demitiu, e sua família poderia continuar vivendo feliz e segura. 

No entanto, isso não excluiu as consequências da sua ação: toda noite sem lua, sua criatura "gêmea" atacava as pessoas e espalhava destruição por onde passava. Como ninguém sabia sobre o pacto, todos pensavam que os crimes eram responsabilidade dele, e Pica-Pau foi preso. Rapidamente descobriram que prenderam a pessoa errada, pois a bagunça continuou a acontecer, e a ave vermelha decidiu falar nada sobre o pacto para não se fuder mais ainda.

O misterioso culpado por esses problemas foi batizado de Pica-Pau Biruta, e ainda hoje não conseguiram o capturar.

LALAVERSO: Crônicas sem sentidoOnde histórias criam vida. Descubra agora