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Considerando que jogo basquete nos campeonatos da escola há três anos, era de se esperar que eu soubesse fazer uma cesta.
Mas não é o caso.
— Gattaz! — o treinador grita, gesticulando freneticamente para mim. Ele só está me chamando pelo sobrenome porque não lembra o meu primeiro nome. — Chega de arremessos! Passe a bola pra outra pessoa!
É quase tão humilhante quanto o arremesso que fiz um segundo atrás. Eu sou ala-armadora, então é para eu, sabe, fazer pontos, mas essa é a terceira vez que arremesso e a bola nem sequer encosta no aro. Normalmente, controlo bem a bola, mas hoje é como se eu estivesse arremessando uma batata gigante por um túnel de vento.
O time adversário pega o rebote e minhas orelhas queimam quando corro para fazer a marcação do outro lado da quadra. Nem consigo olhar para minhas colegas de time. Esse tecnicamente é só um jogo pré-temporada, mas é contra a escola DPC, nossa rival, e estamos perdendo por dezoito pontos. Em casa . Se perdermos esse jogo, não teremos chance de nos redimir até o Clássico de Natal, o que quer dizer que essas desgraçadas estarão em vantagem pelos próximos dois meses.
Firmo os pés no chão da quadra e tento focar na defesa. Estamos usando a estratégia de marcação individual, que geralmente é meu ponto forte, exceto hoje. Acontece que a oponente que estou marcando esta noite é minha ex-colega de time.
E também minha ex-namorada.
Ariele Ferreira foi a primeira e única pessoa que amei. Ela se transferiu para minha escola no começo do segundo ano com um ar de garota da cidade grande e uma vontade de se provar dentro e fora de quadra. Na primeira vez que conversamos, ela deu um puxão no meu rabo de cavalo e falou que eu tinha o cabelo loiro mais bonito que ela já tinha visto. Na primeira vez que nos beijamos, foi como se fogo-fátuo tivesse passado por minhas veias.

Para resumir, eu estava fascinada.
Já Ariele só amava duas coisas. A primeira era eu. A segunda era atenção. Ariele queria ser alguém, mas teve dificuldade com isso na nossa escola, onde o time de basquete feminino era tão relevante quanto o clube de tricô. Eu sabia que ela queria mais, mas, na minha cabeça, mais era sempre algo que existia em um futuro distante, algo que nós eventualmente conquistaríamos juntas. Achei que estávamos na mesma página até o dia em que ela me levou para jantar e anunciou que estava mudando de escola de novo — e que queria terminar comigo. A carta oficial de boas-vindas da Academia Preparatória DPC estava tão amassada e gasta que eu sabia que morava na bolsa dela havia semanas.
Tento não olhar para Ariele agora, enquanto ela corre pela quadra com o seu novo uniforme dourado, mas é como fingir que o sol não existe. Ela suga os lábios como se tentasse manter uma expressão neutra, mas dá para ver que está extasiada com o resultado do jogo. Valida cada motivo que ela teve para se transferir para uma escola que incentivava mais o basquete, um lugar onde ela finalmente seria notada.
Ariele se posiciona em um lugar próximo a mim na cabeça do garrafão, mantendo distância suficiente para estar aberta a um passe da nova armadora. Mas aí, quase como se não pudesse evitar, ela olha para mim.
"Você está bem?" pergunta sem usar a voz. Ela tenta parecer preocupada, mas na verdade soa condescendente. Quebro o contato visual e me viro. Não quero a pena dela.
A outra armadora do time acabou de ultrapassar a linha central quando o árbitro apita. Minha melhor amiga, Sheilla, pediu tempo. Sheilla é nossa armadora, capitã e treinadora improvisada, basicamente, já que nosso treinador oficial é um sem noção. Ela se aproxima de mim e sussurra, antes que nossas alas e pivô se juntem a nós:
— Cara. — Ela me dá aquele olhar intenso que é sua marca. — Você precisa focar no jogo. Só ignore ela .
Sheilla sabe quão devastada fiquei depois que Ariele terminou comigo e que mal me recuperei. Somando isso à sua competitividade, minha amiga está determinada a vencer esse jogo custe o que custar, mesmo que tenhamos perdido para DPC nos últimos três anos. Nós perdemos a maioria dos jogos, mas isso nunca impediu Sheilla de sonhar em ganhar uma temporada.

— Eu sei, eu sei, entendi — murmuro para ela. — Você não precisava ter pedido tempo.
Sheilla bufa.
— Nem tudo é sobre você. — Ela se vira para nossas alas e pivô quando elas se juntam a nós. — Escutem, todas reconhecem a jogada que elas estão prestes a fazer?
Nós a encaramos. A mente de Sheilla sempre está fazendo hora extra, percebendo padrões e ritmos que o restante de nós nunca vê. De vez em quando, ela viaja completamente quando está refletindo sobre alguma coisa. Nossos amigos chamam isso de As Visões da Sheilla.
— A armadora faz aquele gesto de virar a mão quando quer que as alas cruzem o passe — diz em um tom baixo. — Elas vão correr para as laterais pra desviar a atenção da cabeça do garrafão...
Estou tentando escutar, mas meus olhos continuam procurando por Ariele. Ela está em um círculo com suas novas colegas de time, fazendo aquele negócio de puxar o tornozelo enquanto se equilibra em um pé só. Da primeira vez que a provoquei sobre esse hábito, durante os testes do ano passado, ela me deu um sorriso torto e perguntou: "Por que você está prestando tanta atenção em mim?"
Eu queria ter esse momento de volta. Os olhos escuros de Ariele, o sorriso provocante, a avidez de querer dar uma chance para esse lugar — e para mim . Ela ainda não tinha aprendido que jogar em um time de basquete feminino perdedor em uma cidade pequena e excêntrica fazia de você um zé ninguém. Eu ainda não tinha aprendido que ser um zé ninguém era algo que deveria me incomodar.
— ... entendido? — Sheilla pergunta, animada, me batendo no braço.
E de repente nós estamos de volta às posições, o árbitro apita, e eu não faço ideia do que é para fazer.
Tudo acontece rápido demais: a ala-armadora faz o gesto, a ala-pivô cruza o passe para a lateral e Ariele corre para marcar Sheilla. Ela ajeita os pés e cruza os braços em cima do peito e Sheilla não consegue se mexer. Eu corro atrás dela, tentando acompanhar, mas Ariele sai facilmente da marcação de Sheilla e vai para a linha de arremesso livre para receber o passe da ala-armadora.
Quando finalmente consigo alcançá-la, Ariele já fez seu arremesso. Ele voa rápido e lindo pela cesta, em um arco perfeito que nem encosta na rede.

she drives me crazyOnde histórias criam vida. Descubra agora