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As férias de Natal começam com uma tempestade. Nunca esfria o suficiente para nevar antes do Natal, mas acho que alguma coisa precisa cair do céu. Por dois dias, a chuva bate contra as janelas e empurra as nossas decorações infláveis de bonecos de neve contra a grama. Nós ficamos dentro de casa e tentamos matar o tédio com filmes natalinos. Quando nos cansamos disso, Marcela insiste para que tiremos uma foto para um cartão de Natal que ela quer mandar da família dela.
— Você quer dizer nossa família? — pergunto.
— Não, eu tô falando de mim, Picles e BooBoo.
Ela se veste em veludo verde e se posiciona à frente da lareira com os gatos no braço. Renata consegue capturar um total de três fotos decentes até Picles arranhar o suficiente para conseguir escapar.
Quando o tempo finalmente abre, Sheilla e eu vamos às compras para os presentes de família. Renata vai junto, pelo que sou grata, porque isso significa que Sheilla não vai ter nenhuma chance de perguntar sobre Rosamaria. Nós damos uma volta na cidade, indo no shopping, na livraria, na loja de antiguidades. Nenhuma de nós sugere ir para Uberlandia.
— Marcela trabalha hoje? — Sheilla pergunta depois de entrarmos na loja de cosméticos para comprar bombas de banho. — Nós deveríamos passar no Chaminé. Estou morrendo de vontade de comer picles frito.
— Acho que eu tomaria uma piña colada sem álcool — Renata diz. — Fazer compras é estressante. Eu preciso de algo para relaxar.
— Sim, senhora — digo, passando meu braço no ombro dela.
Para falar a verdade, já estou de saco cheio de fazer compras há pelo menos uma hora. Eu já escolhi presentes para mamãe, papai e Marcela, e agora tudo começa a me lembrar ou de Ariele ou de Rosamaria. Não posso comprar um presente para nenhuma delas, ainda que por razões inteiramente diferentes.
Nós entramos na taverna quente e agitada que é o Chaminé. Marcela nos vê e acena para a garçonete nos levar para nossa mesa favorita, que fica perto do jukebox. Nós deslizamos nos assentos altos da cabine e recebemos uma cesta de picles frito dentro de dois minutos.
— Marcela é a melhor — Sheilla diz, devorando o lanche. — Ela sempre sabe exatamente o que a gente quer.
— Ela é boa com pessoas — Renata diz, astuciosa. — Isso é o que mamãe sempre diz.
— Como é que eu fiquei sem esse gene? — pergunto.
— Você é boa com pessoas — Sheilla diz. — Talvez não do mesmo jeito que Marcela, mas você é boa o suficiente.
— Uma confirmação exultante. Obrigada.
Sheilla dá de ombros.
— Rosamaria é a única outra pessoa que sei que chega no nível de Marcela.
Eu não digo nada, tentando manter a minha expressão neutra.
— É por isso que Marcela não gosta dela? — Renata pergunta.
Eu olho para minha irmã.
— Ela disse isso?
— Hum. — As orelhas de Renata ficam vermelhas, um gene que eu e minhas irmãs definitivamente compartilhamos. — Então, acho que ela só quer te proteger.
— Marcela não gosta de ninguém que eu namoro — resmungo.
Como se fosse a sua deixa, Marcela aparece do nada, trazendo duas piñas coladas sem álcool para Renata.
— Ouvi meu nome?
— Não — digo, evitando os olhos dela.
— Estamos falando da vida amorosa de Carol — Sheilla diz. Por cima da porção de picles, eu a fuzilo com o olhar.
— Ah, sim, a vida amorosa — Marcela diz.
— Por que você tem que falar desse jeito? — pergunto.
— Porque eu não sei se envolve amor de verdade?
Meu rosto queima. Cerro meus dentes e tento não perder a compostura.
— Nem mesmo com Rosamaria? — Renata pergunta. O sorriso dela fica travesso. — A irmã da minha amiga mostrou o vídeo dela te beijando no Empório. Foi tão romântico.
— Isso foi... Ah, que seja. — Estou muito consciente dos olhos de Marcela em mim.
— Foi romântico? — Renata pergunta sem fôlego.
— Não — digo, curta.
Ao mesmo tempo em que Sheilla diz:
— Sim.
Eu a encaro para valer dessa vez, mas ela retribui o olhar em desafio.
— Eu só não quero que a Ca se machuque — Marcela afirma, categórica.
— Rosamaria não vai machucar ela — Sheilla garante.
— Dá pra gente parar de falar de mim como se eu não estivesse sentada bem aqui?
Marcela e Sheilla se contêm, as duas suspirando. Daphne dá um tapinha nas minhas costas e desliza a piña colada extra pela mesa.
— Pode beber — ela diz, sábia. — Vai ajudar nos nervos.
Inalo a bebida açucarada e deixo a conversa me embalar. Meu corpo todo parece que foi agredido, como se minhas emoções estivessem lutando sumô umas com as outras. Não importa o quanto Sheilla a traga para conversa: eu não quero falar sobre Rosamaria. É confuso demais. Como posso estar gostando dela e em luto por Ariele ao mesmo tempo? Porque é isso que estou sentindo: luto. Eu posso até ter pensado que estava finalmente superando Ariele, ainda mais com toda a alegria do basquete, mas beijar Rosamaria trouxe toda a sensação de coração partido de volta. O beijo dela foi o primeiro desde o término e, mesmo sendo ótimo, foi diferente. Fez todos os outros sentimentos aflorarem de novo.
Eu só queria poder colocar todos esses sentimentos novos por Rosamaria numa caixinha, colar uma etiqueta de "não abrir até o luto pelo término acabar" e guardar a caixa no sótão, longe da vista, longe do pensamento. Quer dizer, eu nem sei se essa tremulação de empolgação que eu sinto significa que gosto dela. Não penso em Rosa o tempo todo como fazia com Ari. Não checo as redes sociais dela de maneira obsessiva. Eu sinto a falta dela, mas não estou prestes a explodir de saudades. Eu nem falo com ela há dias. Isso é normal?
E por baixo de todos esses sentimentos confusos, tem uma vozinha maldosa que aparece cada vez que eu me imagino beijando Rosamaria de novo. Uma voz que é profundamente interligada com a mesma insegurança que Ariele me fazia sentir.
Rosamaria fez seu carro ser guinchado. Ela te humilhou. Ela ficou lá, te observando friamente, enquanto você chorava.
Como posso conciliar ter sentimentos por alguém que fez bullying comigo? Se eu me sinto atraída por garotas que me machucam, o que isso diz sobre minha autoestima?

she drives me crazyOnde histórias criam vida. Descubra agora