Oitavo mês, 15º dia da lua do Dragão
Meio do Outono
A lua do dragão estava cheia no céu. Fenir, o lobo, estava parado. Congelado talvez fosse a palavra certa. Estava espreitando a presa. Quando ele se movesse, o pequeno roedor não saberia o que tinha o atingido. Seria rápido e preciso. Uma simples mordida no pescoço, lançando o animal para o alto e seus dentes rasgariam a jugular. Ele estaria morto quando caísse ao chão. Fenir não me traria a caça. Ele não fazia isso. Aquela era a sua caça. Se eu quisesse uma, eu teria que caçá-la eu mesma.
Tudo bem por mim. Como Fenir, eu também estava esperando. Eu também poderia ter paciência, ao menos para isso. Minhas mãos estavam firmes na minha Aerona. Minha mãe acharia ridículo dar um nome a uma arma. Era um utensílio e nada mais. Companhias me faltavam e eu dava nomes às coisas que me eram úteis e que eram importantes para mim. Tinha sido o mesmo com Fenir. Por que as pessoas me perdoariam por dar um nome a um animal e não àquela que tinha me salvado vez depois de vez? Aerona era praticamente um membro da família.
Eu mesma montei a arma. Era baseada em um modelo que meu pai tivera. Meu trabalho com metal era horrível naquela época, mas eu não tinha muito o que fazer. Tempo era o que eu tinha de sobra. Aerona foi o resultado e, no meu ócio, a melhorei. Gastei bastante com materiais e tive que me empenhar muito para consegui-los. Talvez eu estivesse ficando sentimental.
Olhos abertos, não faltava muito. Fenir abaixou as orelhas. Eu conseguia vê-lo através da mira da arma. Mais uma das melhorias que eu tinha feito. Quanto tempo eu tinha passado polindo as lentes? O vidreiro fizera um trabalho ridículo. Talvez eu não devesse culpá-lo. O povo daquela região não tinha nenhuma finesse. Não saberia a diferença entre um par de óculos e uma luneta. Isso me fez sorrir.
Aquela gente poderia não entender sobre as coisas do mundo. Minha gente poderia ser considerada herética por eles, que viviam de acordo com os doze e respeitavam todos os números. Nós mexíamos com forças que eram proibidas para eles. Talvez nós fôssemos mesmo profanos. Talvez todo o resto do mundo também o fosse. Apenas ali, naquele canto de mundo, as pessoas compreendiam os ciclos das luas. Eles poderiam muito bem ser os escolhidos dos deuses. Isto é, se você acreditasse que os deuses não estavam interessados apenas em suas próprias agendas.
Meu dedo tocou o gatilho. Fenir tinha abaixado o corpo, desta vez. Eles estavam se aproximando, mesmo que eu não pudesse vê-los. O lobo poderia sentir o seu cheiro, carregado pelo vento. Eles abandonavam as tocas sempre durante a lua do dragão, ou foi o que disseram na aldeia.
O mês do dragão tinha chegado. As oferendas do povo foram colocadas no altar do templo de Bahamut e talvez o deus dragão surgisse para buscá-las. Eu esperei que a lua crescesse e se tornasse cheia. Agora que ela tinha atingido o seu ápice, finalmente Fenir dispusera-se a caçar. O lobo era o inimigo natural dos arkon, ele melhor que ninguém saberia onde encontrá-los.
Talvez eu tivesse mesmo me tornado sentimental. Aerona vibrou nas minhas mãos, ansiosa por disparar. Um brilho fraco emanou do compartimento das cápsulas. Eu estava concentrada, meu foco impecável.
Fenir saltou e os arkon dispersaram, um deles saltou sobre um tronco e foi ele que escolhi. O disparo de Aerona foi preciso. O tiro riscou a paisagem noturna, deixando um risco luminoso no ar. O arkon foi atingido em pleno salto e caiu. Eu apenas precisava de um deles, então ignorei todo o resto.
Coloquei a mão dentro da mochila e tirei o cão. Eu tinha o feito naquela tarde e duvidava que ele manteria suas peças no lugar por mais que vinte metros, mas Fenir não me traria a minha presa e eu não dispunha de um cachorro de verdade. Bati na cabeça metálica do meu constructo e ele se levantou em suas quatro patas, olhos brilhando e com o rabo balançando de um lado para o outro fazendo o barulho de uma dobradiça mal engraxada. Não era um grande trabalho e eu não precisava ter feito com que ele se parecesse realmente com um cão. Aquilo simplesmente pareceu-me divertido. Diversão estava em falta naqueles dias, então eu deveria me aproveitar quando encontrasse alguma.
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As Fronteiras do Mundo
FantasyDesde criança, Raelyn é vítima de uma maldição. Os "marcados" devem ser condenados à morte pelo risco que trazem às outras pessoas. Isolada pelo medo de ser descoberta, ela deve decidir entre manter-se em segurança ou buscar um fim à maldição.