Nenhuma coisa boa pode vir de baixar a sua guarda, era uma lição que eu já deveria ter aprendido. Sair da taverna pela porta da frente chamava a atenção para mim e isso não era desejável. Eu deveria ser invisível, ou tão invisível quanto uma garota de dezenove anos, de cabelos vermelhos e sardas poderia ser quando cercada de pessoas de cabelos escuros e pele perfeita.
– O que poderia ser tão engraçado?
A voz me assustou e me fez saltar. Minha mão foi involuntariamente na direção da minha arma, enquanto eu me virava. Não cheguei a este ponto, porém. O homem empurrou-me de encontro à parede da viela. Meu rosto fez contato com as pedras duras e imediatamente senti o gosto de sangue.
Minha mão não chegou até a arma, ao invés disso, meu braço foi torcido atrás das minhas costas e senti algo pressionar contra as minhas costelas: a irmãzinha de Aerona. Minha mente berrava "não está carregada!", mas eu não tinha como saber se ele seria capaz de atirar, ou não.
– É linda – a voz dele murmurou, às minhas costas.
– Solte, seu porco! – esbravejei. – Eu vou gritar!
– Não vai – ele disse e eu reparei um leve sotaque na voz dele. Um homem das terras altas, possivelmente. – Você não tem mais vontade de chamar a atenção com essa linda arma de brinquedo e além do mais...
Senti sua mão no meu braço. Minha manga tinha sido puxada e meu antebraço foi exposto. Senti meu coração saltar e uma voz parecia repetir nos meus ouvidos "ele tem o direito", "ele pode me matar". Esperei pelo tiro, mas não houve nenhum. Esperei sentir uma lâmina em meu pescoço, mas ela também não veio. Ao invés disso, minha manga foi puxada novamente para o lugar e ele me soltou.
Virei-me, sentindo-me um pouco como um cão machucado, procurando algum lugar para me esconder, com o rabo entre as pernas. Vê-lo diante de mim não colaborou com a impressão de que aqueles eram os meus últimos segundos de vida.
Era alto e magro. Tinha o cabelo completamente negro e uma barba rala no rosto fino e claro. Seus olhos também eram escuros e a expressão de seu rosto me lembrava um pequeno diabrete. Sua imunidade não vinha do fato de ser um estrangeiro. Era indubitavelmente um homem das terras altas, mas mais que isso, era um mensageiro do duque. Estava óbvio em suas roupas verdes surradas - a cor real - e botas altas, mesmo que ele não estivesse carregando uma bolsa de viagem, poderia ser reconhecido pelo bordado em sua lapela: uma simples pena branca.
Aproximou-se de mim e eu decidi que iria morrer com honra. Não deixaria que ele me intimidasse. Ele ergueu a mão e eu mantive a minha posição. Quando tocou o meu rosto, pensei que o máximo que ele poderia fazer comigo naquele lugar - além de me matar - era me beijar e, a menos que ele tentasse me arrastar para algum lugar recluso, eu não precisava me preocupar com isso.
Tocou os meus lábios com a ponta dos dedos. Afastou-os em seguida e vi meu sangue em sua mão.
– Um pouco violento demais – ele pareceu censurar-se. – Mas você iria atirar em mim.
Não respondi.
– Não é desculpa, eu sei – ele levantou os ombros casualmente. – Eu deveria ser mais gentil, especialmente com você.
Empurrou-me na direção da parede mais uma vez.
– Por quê? – escutei minha própria voz perguntar, sem que eu tivesse essa intenção.
Não queria estabelecer um diálogo com aquele homem. Tinha me machucado e eu pressentia que nada de bom poderia vir disso, ainda mais quando ele ainda segurava a minha arma como se fosse usá-la contra mim.
– Eu atravessei o mundo para encontrá-la.
Olhei-o com descrença.
– Está bem – ele me deu novamente aquele olhar de diabrete. – Foram apenas três províncias, mas em minha defesa, Sotan é realmente um fim de mundo.
Mantive o olhar.
– Desta vez é verdade – ele girou a arma, deixando o cabo virado para mim. – E você pode atirar em mim, se achar que não pode confiar em mim.
Apesar de saber que não deveria confiar nele, ele me era familiar de uma forma que eu não conseguia compreender. O que era familiar nele? Não era nada em sua aparência. Com certeza nós nunca nos víramos antes e éramos tão diferentes quanto o dia e a noite. Apesar disso, eu conhecia algo inexplicável sobre ele.
– Sim – ele disse, como se eu tivesse lhe feito uma pergunta. – Nós somos iguais.
Inclinei a cabeça. Ele com certeza não era um compatriota. Se fosse, não teria aquele sotaque estranho das terras altas. Se eu tivesse que adivinhar, diria que ele vinha de Niev, apesar de um nunca ter conhecido aquele lugar, mas ele soava como um homem com que eu tinha negociado uma vez.
– Tola – ele me deu aquele sorriso só com um dos cantos da boca. – Tome.
Entregou-me um lenço, que eu pressionei contra o lábio.
– Nós somos iguais – ele repetiu, meneando as sobrancelhas. Eu sabia o que ele queria dizer, mas eu queria escutá-lo dizer.
– Eu também sou marcado.
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As Fronteiras do Mundo
FantasyDesde criança, Raelyn é vítima de uma maldição. Os "marcados" devem ser condenados à morte pelo risco que trazem às outras pessoas. Isolada pelo medo de ser descoberta, ela deve decidir entre manter-se em segurança ou buscar um fim à maldição.