– Você quer uma faca afiada? – perguntou.
Olhei para ele e não havia nenhuma emoção em seus olhos, nem em seu rosto. Estava me medindo e testando. Tentando entender onde eram os meus limites, talvez. Por que ele queria fazer isso? Era impossível de saber. Se o que estivéssemos fazendo fosse jogar um jogo, aquele seria um grande blefe da parte dele. Mas ele não sabia nada sobre mim.
– Eu faria isso, se fosse possível – encarei-o, levantando o braço para olhar o desenho de perto. – Meu pai disse que se o cortasse, ela apareceria em um lugar novo e seria mais agressiva.
– Você sabe como ele descobriu isso?
– Imagino que tenha lido em algum livro. Lembro de ele ter dito isso à minha mãe, antes que viéssemos para cá. Essa era a vontade dela.
Faramond pareceu desapontado por um segundo e sua voz soou cansada, quando ele disse:
– O problema de ter alguma coisa assim crescendo nas suas costas. Você não consegue ver diretamente. Eu nem saberia que essa coisa estava ali, se... Não importa. Eu tentei de tudo para fazer com que ela desaparecesse – ele manteve os olhos no meu braço por mais um instante, antes de me olhar nos olhos. – O quanto da sua sanidade ainda tem?
– Um louco pode saber se está louco?
– É uma pergunta justa – os cantos de seus lábios se ergueram um pouco. – O quanto da minha sanidade eu ainda tenho?
– Acho que você é coerente – respondi e tornei a enfiar meu braço novamente na manga da camisa. – Posso não gostar de você, mas não posso dizer que está insano. Apesar de que não acho que uma pessoa que atravesse três condados, procurando alguém que não conhece, possa estar de posse de suas faculdades mentais.
– Essa foi uma frase grande – o sorriso se espalhou pelo seu rosto.
Levantei os ombros.
– E ela já se escondeu de novo – ele se levantou e caminhou até mim. Estendeu-me a mão e disse: – Faramond. Este é o meu nome. Consegue dizê-lo?
Olhei para ele, sentindo desdém. Eu não era uma criança de colo para não saber falar o nome de uma pessoa.
– As pessoas aqui pronunciam como Far'amon – fez uma careta. – Para isso funcionar, você precisa conseguir dizer o meu nome.
– Para o que funcionar?
– Apenas diga meu nome.
– Faramond.
– Bom o bastante. E o seu nome?
– Alessa.
– Este nome não serve – ele sacudiu a cabeça. – Você não tem cara dessa gente de Sotan. Qual é o seu nome? Seu nome verdadeiro.
– Raelyn Terryan.
– Bom o bastante – ele repetiu. – Seu nome pode ser um problema em Sotan, mas além dessas terras ninguém se importa se você é... qual é o termo para isso? Construtor mágico? Artífice mágico?
– Em Glaslia, chamamos isso de magia – dei em ombros. – Não conhecemos outro tipo. Você pode chamar do que quiser.
– Em outros lugares, com certeza ninguém se importa se você faz magia – os olhos dele tinham um brilho de divertimento que eu não conseguia compreender realmente. – Parece que você escolheu uma penitência dupla. Uma coisa é se esconder por causa dessa coisa no seu braço. Uma outra coisa é escolher para se esconder um lugar onde a sua própria natureza é considerada profana. Este povo de Sotan só aceita a magia que os clérigos fazem, só aquelas bobagens de cura e consagrar o solo. São um bando de idiotas com uma mente pequena. Se acreditam tanto nos doze e acham que a magia foi um presente dos deuses para os primeiros humanos, deveriam aceitar todo o tipo de magia que possa existir.
Olhei para ele. Não tinha sido eu quem escolhi o lugar para onde fugimos. Eu era uma criança, eu não tinha o poder de decidir qualquer coisa. Não era mais uma criança, mas algumas coisas se tornam tão familiares que você não consegue ver outra alternativa para elas. Gaslia era apenas uma memória distante. Eu não conhecia nada mais no mundo além daquela aldeia.
Voltei-me para o fogão. A água estava quente. Peguei algumas ervas e joguei na panela. Não estava me preocupando realmente em fazer um bom chá, apenas queria alguma coisa para umedecer os lábios e parar de pensar no meu passado e no meu futuro. Sentia a marca quase como se estivesse se arrastando sobre a minha pele, provocando-me, querendo fazer com que eu me movesse. No final das contas, tudo se resumia movimento.
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As Fronteiras do Mundo
FantasyDesde criança, Raelyn é vítima de uma maldição. Os "marcados" devem ser condenados à morte pelo risco que trazem às outras pessoas. Isolada pelo medo de ser descoberta, ela deve decidir entre manter-se em segurança ou buscar um fim à maldição.