Capítulo 5 - Nattawin

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Eu queria fazer aquela SUV passar por cima dele. Como eu queria.

— A bateria descarregou. — eu disse depois de analisar o sistema interno do carro. — Tem que ser trocada. Tem muito tempo que não é trocada?

— Uso esse carro tem quatro anos, nunca precisei trocar. — ele disse. Ainda estávamos na esquina onde o carro morreu, sorte que ali não era muito movimentado.

— Então provavelmente o problema é realmente esse. — fechei o capô e fiz um gesto com a cabeça. — Destrava o freio de estacionamento. Vamos empurra-lo até a oficina.

Ele não discordou, apenas ajudou a empurrar o automóvel pela rua até o local onde eu morava e trabalhava. Tentei posicionar ele corretamente na rampa, mas falhei.

— Tenta ligar ele pra ver se vai por alguns segundos, só pra estacionar. Geralmente a bateria não morre de uma vez. — Mile respeitou e foi para o lado do motorista. Rodou a chave uma, duas, três, quatro e só na oitava o carro ligou com muita dificuldade.

Assisti ele estacionar no concreto do lado de fora da oficina, não tardou e o carro morreu de novo.

Eu entendo esse carro, se a bunda do Mile sentasse em mim todo dia eu também iria querer morrer.

— Ótimo, devo entregar ele mais tarde, o movimento está calmo hoje. — eu disse profissional, e então falei o preço.

— Eu não sou rico, não! — Mile exclamou. — Eu não tenho a porra de cinco mil bahts!

— Que pena. — ergui as sobrancelhas, fazendo minha melhor cara de decepção falsa. — Quer parcelar? Pede pra sua família pagar.

— O quê? — Mile me olhou e então soltou uma gargalhada que ecoou na rua vazia. Encostou as mãos na lataria preta do carro enquanto dizia: — Eles são ricos, mas não o suficiente para me ajudarem. Não tenho pai, meu querido amigo. E eles me detestam.

Ele proferiu a última frase com tanto pesar e tristeza que imediatamente lembrei dele ajoelhado no estacionamento com os olhos marejados. Me senti culpado por estar sentindo uma leve compaixão dele.

Eu também não tinha pai. A única coisa que ele fez na minha vida foi não ter avisado pra minha mãe que ia gozar.

Com uma cara de derrota e claramente muito humilhado, eu disse: — Certo, 2.700 bahts e não se fala mais nisso.

Ele respirou aliviado e pegou o celular.

— Vou parcelar. — avisou e então fez a transferência da primeira parcela. — Volto pra buscar ele às sete.

¥•¥

— Sua vitamina. — minha mãe entrou na oficina com um copo de vitamina de Pitaya.

— Assim parece que eu tenho dez anos. — beijei a bochecha dela e tomei a vitamina de uma vez só.

— São vinte e três anos convivendo comigo, você saiu do meu ventre, enquanto morar comigo vou te tratar como uma criança sim. — e sumiu pra dentro de casa.

É. Essa era minha mãe.

Eu não tinha coragem de sair de casa e deixá-la sozinha, apesar de algumas... divergências que eu tinha com ela. Sempre fomos nós dois aqui em casa, e vai ser assim até que ela não esteja mais sozinha. Certo que nós temos mais ou menos cinco gatos, mas eu sentia que minha mãe precisava de mim.

Falando em um dos gatos, Chip, o gato vira-lata cinza que um dia eu resgatei da chuva na frente de casa, resolveu aparecer na oficina. Os olhos dele eram tão amarelos que mais pareciam faróis.

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