Capítulo 8 - Mile

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Odeio sentir algo que não sei definir o que é. Não é raiva, nem medo, nem tristeza. Sinto que pegaram todos esses sentimentos, jogaram no liquidificador e os misturaram.

Odeio sentir isso. E odeio ainda mais sabendo que é por causa da cena que encontrei na oficina.

Nattawin prestes a beijar um cara cabeludo. Porra, eu era cabeludo.

O quê está fazendo aqui, Mile? — perguntou Nattawin, voltando a compostura. — Seu carro quebrou de novo?

— Não. — falei seco. — A viatura tá com problema nos freios. Quero que dê uma olhada.

— Eu... vou indo. — disse o outro, desconcertado, sorriu para Nattawin e andou para fora da oficina.

Se eu não tivesse olhos de um investigador nato, eu não teria visto que ele pegou um cartão de visitas em cima da mesa de anotações.

— Me mostre a viatura. — Nattawin pediu. — E pare de me chamar de "Apo".

— Por quê? — caminhei ao lado dele até o automóvel. Era uma caminhonete. — É fofo e combina com você, Apo.

— Mas que caralho. — xingou, revirando os olhos. — O que custa você me chamar pelo meu nome normal?

— É grande demais, e eu tenho preguiça. — levantei as sobrancelhas.

— Você é insuportável, sabia? — resmungou. — Qual o problema dos freios?

— Não estão funcionando direito, quase que essa viatura vai para as evidências do departamento de trânsito hoje durante uma perseguição, acredita? — expliquei. — Sorte que meu colega é um ótimo motorista e soube reduzir o suficiente para parar, e demos sorte que por um momento os freios resolveram cooperar para que eu a trouxesse até aqui.

— Acabei de ver que todo o sistema de freagem tá desgastado, inclusive o pedal. Vai ter que ser todo trocado. — avisou depois de analisar o problema.

— Vai ser na conta do departamento, fica pronto até quando? — questionei.

— Bom, preciso de umas peças de fora, então para que eu encomende elas e até chegar, contando com a instalação, pode demorar uma semana. — Ótimo. Uma semana.

Uma semana tendo que vir todos os dias aqui averiguar como estava indo o conserto do carro, sete dias tendo que ver Nattawin e suas frases carregadas de sarcasmo.

— Aqui, meu número caso precise. — peguei uma caneta no meu bolso e a mão dele, anotando os números. Por incrível que pareça, Nattawin manteve a mão parada.

Quando o olhei, ele me encarava. O sol forte pelo horário reluzia em sua pele morena, os cabelos tão escuros quanto breu caíam nos olhos que estavam curiosos para cima de mim.

Sempre reparei que ele tinha belos olhos. Castanhos tão fortes que brilhavam sob a luz do sol. Em sua íris, em uma fração de segundo, por milésimos, vi o antigo Nattawin.

O Nattawin que tinha sido um dia o namorado do meu primo, que era tão feliz que contaminava a todos com sua alegria. E por dois segundos, senti saudades desse Nattawin.

Ele limpou a garganta e recolheu a mão, por incrível que pareça, quieto e sem nenhuma piada.

— Te dou notícias. — ele disse olhando pro chão. — Do carro.

— Certo. — prestei atenção no poste, no portão da casa dele. — Tenho que ir.

Como eu tinha levado a viatura quebrada (e felizmente sem nenhum acidente) até lá, eu teria que chamar alguém para me buscar. Agradeci à todos os Deuses que existem quando Bible avisou que estava perto e chegaria logo.

Nervemind | MileApo Onde histórias criam vida. Descubra agora