Capítulo 2 - Mile

183 19 3
                                    

As vozes femininas estavam em coro quando eu desci as escadas, uma infantil se destacava no meio delas na mesa do café da manhã.

— Tio Mile! — Aisha gritou assim que me viu, a peguei no colo e beijei a bochecha dela.

— Bom dia, raio de sol. — ela me abraçou.

— Foi eu quem fiz ela, sabia? — Kanya reclamou e eu revirei os olhos, deixando um beijo na cabeça dela também.

— E eu? — Malai perguntou e eu fiz o mesmo com ela.

Ouvi um limpar de garganta, Chailai me olhava da ponta da mesa. Misericórdia.

— Mãe, por que a senhora só me deu mulheres como irmãs? — perguntei cumprimentando Chailai. — Quatro mulheres e um homem, por quê? Agora tenho que cumprimentar meio mundo no café da manhã.

Minha mãe se separou do meu pai quando eu tinha três anos. Conheceu meu padrasto e com ele teve nada mais ou nada menos do que quatro filhas.

Eu tinha sim uma quarta irmã que não estava presente, porque ela fazia faculdade no exterior. Jess se mudou assim que passou, nos deixando pra trás.

— De homem já basta você e seu padrasto. — disse ela enquanto eu me sentava. — Sua avó paterna me ligou.

Parei a colher com ovos mexidos no meio do caminho para a boca, olhando fixamente para a minha mãe.

Minha família paterna quase nunca entrava em contato, apesar de sempre falar de que era eu quem fazia isso. E se eles entravam em contato, provavelmente a coisa era séria.

— Lembraram da minha existência? — debochei com um sorriso.

— Mile! — ela me repreendeu. — Amanhã vai ser a reunião póstuma de cinco anos da morte do Mew.

Meu sorriso murchou e eu respirei fundo.

— É sério isso? — questionei.

Depois de cinco anos resolveram fazer uma homenagem a ele, do filho rebelde da família. Mew não era exatamente o filho exemplar da família Suppasit, essa parte ficava para Alexis.

Mew tinha espírito livre, solto e despojado. Adepto a jaquetas de couro, cigarros, raves e tudo o mais, era o melhor primo e amigo que eu tinha.

O único daquela família que me entendia completamente e não julgava meus trejeitos.

— Quem é Mew, tio Mile? — perguntou Aisha do outro lado da mesa.

— Mew era um primo do titio que infelizmente virou uma estrelinha. — explicou Kanya.

Por uma mera coincidência, Aisha nasceu nove meses depois da morte do meu primo. Uma única alegria na minha vida em um momento tão difícil.

O pai de Aisha largou minha irmã pra ficar com outra assim que a filha dele nasceu, um imbecil que visitava ela aos fins de semana. Então a presença paterna mais próxima que Aisha tinha era... eu e meu padrasto.

Ela era a minha alegria. Quando o pai dela não vem visitá-la aos sábados e ela faz a pergunta que corta o coração: "Meu papai não gosta de mim?" eu a levo pra tomar sorvete e ir brincar no parquinho.

Já tinha ouvido de muitas pessoas a frase "Você não pode amar sua sobrinha como se fosse sua filha". Mas quem mais iria amá-la do jeito que merece sendo que o próprio pai não faz isso?

Eu a levava para a natação, buscava na escola e tinha comprado uma cadeirinha de segurança para o carro apenas para ela. Era meu dever de padrinho e tio fazê-la se sentir amada mais do que já é.

Nervemind | MileApo Onde histórias criam vida. Descubra agora