Quatro: Repercussões

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Quase três semanas haviam se passado desde o jantar de noivado de Paula e Neném, e do reencontro de Flávia e Guilherme. Ao fim do jantar, o médico havia se prontificado a dar uma carona à cantora, e fingiu não ver os sorrisos marotos da família Marino e da melhor amiga. Depois de cinco anos sem qualquer notícia de Flávia, relutava em afastar-se dela. Quem podia julgá-lo?

Flashback

Flávia, felizmente, parecia tão resistente em sair da presença dele quanto ele da dela. Aceitou prontamente sua oferta de carona, fingindo não notar os sorrisos cúmplices de sua família, ignorando o abraço apertado da tia e o sussurro dela sobre como tudo ia ficar bem. Somente quando o primo a abraçou e pediu desculpas com os lábios contra a sua franja ela reagiu, agradecendo a ele por aquilo.

O médico e a cantora foram conversando da casa da tia dela na Tijuca até o quitinete dela em Grajaú. Guilherme deixava que Flávia falasse, permitindo que a voz dela o envolvesse e enchesse o espaço de seu carro, cantarolando junto com o Spotify conectado com a central de mídia do seu automóvel, comentando sobre como um ou outro lugar tinha determinado prato delicioso.

Rápido demais, chegaram ao endereço de Flávia. Quando Guilherme estacionou diante do predinho da garota, um silêncio estranho, carregado, se instaurou no carro, interrompido apenas pelo som baixo das músicas de Taylor Swift (que Flávia havia colocado no som para tocar depois de dizer que as músicas clássicas que Guilherme preferia não combinavam com ela e com a vibe daquela noite). Flávia mordia o lábio inferior, parecendo indecisa, e Guilherme não sabia o que fazer, que não envolvesse implorar a Flávia para nunca mais sumir de sua vida.

Por fim, a garota respirou fundo e surrupiou o celular do médico. Diante do aparelho bloqueado, fixou-o com um olhar questionador; ele sentiu o rosto ligeiramente quente e coçou a lateral da cabeça, num gesto que Flávia reconheceu bem do tempo do namoro, sinal de que ele estava envergonhado com alguma coisa.

– Qual é a senha, Gui? – Perguntou ela.

– Me dá aqui, eu desbloqueio pra você – disse ele, tentando tirar o iPhone da mão dela, mas ela riu e ergueu o celular acima da cabeça, os dedos roçando no teto do veículo – Flávia... – Disse ele, numa voz manhosa e queixosa – Eu desbloqueio pra você, não tem problema, só me dá, por favor?

– Claro que não, com a cara que você tá? Você não quer que eu saiba a sua senha por algum motivo – Ela se desviou quando ele tentou pegar o celular da mão dela, e de algum jeito, depois de muito se torcerem e retorcerem na 'briga' pelo aparelho, os dois acabaram frente a frente, com o celular de Guilherme preso nas mãos de Flávia e encaixado entre seus corpos.

Seus olhos se encontraram e se fixaram. Os de Guilherme deslizaram dos olhos para os lábios de Flávia, e os dela fizeram o mesmo percurso no rosto dele. Por um segundo, ele teve vontade de beijá-la, e ela quis que ele a beijasse. Mas o som agudo de uma buzina na rua interrompeu o clima que havia surgido entre eles, e, numa voz muito baixa, Guilherme deu a senha para ela:

– Três zero, zero oito, nove oito – sussurrou ele.

Ela piscou.

– Meu aniversário? – Balbuciou.

Ele se afastou, com um sorriso sem graça.

– Era o único jeito que eu conseguia ter você na minha vida – explicou.

– Porque é besta – retrucou ela, revirando os olhos. Digitando a senha no celular, desbloqueou o aparelho e rapidamente abriu a agenda, digitando o próprio celular e o salvando. Em seguida, fez uma ligação, deixando o celular tocar uma vez antes de cancelar a chamada – Pronto. Agora você não me perde mais.

we never really moved onOnde histórias criam vida. Descubra agora