Sete: Calmaria

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Guilherme acordou com o som suave das teclas do piano ecoando tranquilamente no apartamento ainda escuro. Sorriu sutilmente, apenas a curva de seus lábios, enquanto se espreguiçava devagar, sentindo o corpo relaxado como não ficava há anos, e se sentou na cama, coçando os olhos ainda meio nublados de sono. O quarto estava escuro, mas a luz do corredor estava acesa, e ele olhou para o espaço ao seu lado na cama enorme. Já sabia o que ia encontrar, mas olhou mesmo assim: o lençol amassado, o edredom jogado para o lado, o travesseiro ainda contendo o formato da cabeça que o ocupava. Até pensaria que tinha sido um sonho, se não fosse pelo fato de que estava completamente nu e com uma música tocando em sua sala, atraindo-o como o canto de uma sereia.


Levantou-se e acendeu a luz, olhando ao redor à procura de suas roupas. Encontrou a calça de moletom jogada num canto – e sorriu ao ver o short jeans, a camiseta gasta de algodão cinza, o sutiã de renda preta e os coturnos espalhados por seu quarto. Ver aquilo pareceu acalmar algo em seu coração que ainda estava agitado, inseguro, incerto. Pegando a calça do chão, vestiu-a rapidamente e se dirigiu à sala após apagar a luz do quarto e do corredor.

O sorriso cresceu em seus lábios ao se deparar com Flávia sentada em seu piano, usando a sua camiseta branca, tocando tranquilamente uma melodia que ele desconhecia, mas que parecia etérea e assombrosa, romântica e esperançosa, tudo ao mesmo tempo. Como conhecia bem a sua mulher, ele fez questão de bater na moldura da porta para não a assustar (uma vez, surpreendeu Flávia no meio de uma sessão de composição. Assustada, ela derrubou um copo d'água na partitura rabiscada e, furiosa, acabou ficando dois dias sem falar com ele).

Flávia piscou e olhou na direção da porta, sorrindo amplamente ao vê-lo. Ele era tão bonito, despenteado, com carinha de sono, sorrindo para ela... e era seu. O alívio que a inundou ao olhar para a mão dele e vê-la sem aquela aliança maldita era embriagante, intoxicando-a mais do que a mais poderosa das drogas. Depois de cinco anos, ele era novamente seu, e ela nunca mais o perderia. Havia experimentado a vida sem ele e odiara, e não queria repetir a experiência.

– Bom dia – ele disse, sentando-se na banqueta ao lado dela e virando seu rosto delicadamente para beijá-la levemente na boca. Ela deu um suspiro satisfeito, fazendo-o sorrir – O que você está escrevendo? – Perguntou quando se separaram, espiando a folha de papel A4 apoiada na frente deles. Reconheceu algumas cifras, bem como algumas letras escritas.

– Não sei ainda. É pra você, isso eu sei – admitiu ela, revirando os olhos – Pra variar. Acho que isso aqui que eu tenho é o refrão – acrescentou, apontando os rabiscos antes de o encarar com um sorriso tímido – Quer ouvir?

Ainda sorrindo, Guilherme envolveu a cintura dela com o braço e a puxou para mais perto de si. Parecia-lhe incrível que, depois de cinco anos, estivesse realizando um de seus sonhos de adolescência: acordar de madrugada com Flávia compondo na sala e ser a primeira plateia para qualquer rascunho que ela escrevesse. Por isso, com o coração transbordando de amor e felicidade, beijou-a no rosto e assentiu em silêncio.

A morena sorriu e começou a tocar as cifras. Sabia que teria de ajustar em seu violão, depois, mas era certo mostrar a Guilherme o que ele tinha inspirado. Por isso, com o queixo dele apoiado em seu ombro, começou a cantar baixinho:

This love is good, this love is bad

This love is alive, back from dead

These hands had to let it go free

And this love came back to me

This love left a permanent mark

This love is glowing in the dark

we never really moved onOnde histórias criam vida. Descubra agora