MEU DIÁRIO - por Catarina Batista

Parte 1 - Quando o conheci

Segunda

Aconteceu, mais uma vez.
Ontem papai me fez prometer que eu ia comparecer à regata daquele intragável do Heitor, porque na realidade era mais uma armadilha dele para me apresentar a um novo pretendente.
Outro.
Mais um!!!
Não tenho certeza, mas esse deve ser perto do centésimo homem "de boa família" ou "bom partido" que papai tentou me apresentar desde que tem fixa a ideia de que quer me casar.
Porque "a sociedade" isso, "a sociedade" aquilo...
Pois dane-se a sociedade! Não vou casar nem que mulheres usem calças e homens usem cabelos longos, e papai está careca de saber disso.

Pois bem, sua tentativa já começou dando errado. Um encontro armado em um lugar que eu já não fazia a mínima questão de ir não podia mesmo dar certo. Afinal, tenho coisas mais importantes com que me preocupar - como nossos próximos protestos da pauta feminista, por exemplo.
Mas dei minha palavra que ia.
Pois se a dou, a cumpro.

Cheguei em grande estilo, e ele apresentou-me o tal jornalista, bem apessoado mas com cara de tonto - e de interesseiro. Quem ele acha que engana? Não sinto o mínimo de atração por um tipo como ele, aliás, por tipo nenhum.
Apesar de tê-lo jogado dentro do lago - algo que foi divertidíssimo, por sinal - ele ainda apareceu aqui em casa para cortejar-me, acredita? Papai disse que devo me comportar, já que ele não conhece minha fama. 
Pois logo tratei de fazê-lo conhecer.

Nada que uma camisa de força e um cabelo bem despenteado não resolvesse, além, claro, de minha exímia interpretação. Saiu correndo como se estivesse na frente de um boi bravo em uma tourada.
Novamente, foi muito divertido.
E eu me livrei de mais um.
E se eu for afortunada, talvez papai finalmente entenda que este deva ser o último.

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Terça

Ontem encontrei minha amiga Dinorá e sua mãe, dona Josefa, enquanto estava na confeitaria com minhas amigas, Lurdes e Bárbara.
Dinorá nos fez um convite muito estranho: passear no rio, no meio da tarde e em um dia da semana.

De qualquer maneira, resolvemos aceitar. E eu ainda não acredito na pouca vergonha que acabamos presenciando. Roupas e sapatos espalhados por todo lado, além de gritinhos desrespeitosos ao longe. Minha curiosidade aguçou até que vi o motivo: pessoas, se posso chamar assim, sem o mínimo de vergonha passando a tarde na maior luxúria e sem-vergonhice, banhando-se em seus trajes menores sem se importar de serem vistos por qualquer um que passasse por aí.

Encontrei uma botina mal cheirosa e vi o dono, de longe. Aliás, o pé do dono. Para acabar com aquela pouca vergonha, acertei uma colmeia de abelhas e foi em dois tempos que a festinha acabou.
Fazia tempo que eu não ria tanto. Colocar aqueles pecaminosos para correr foi muito divertido.

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Quarta

Agora sim papai perdeu de vez a sanidade, ou no mínimo sua gastrite subiu e já está atacando seu cérebro.
Pois imagine que, além de encontrar mais um homem para apresentar-me - o que já é um feito, ainda existir alguém nessa cidade com o qual não tivessem tentado me comprometer - ele ainda conseguiu, dessa vez, o pior espécime que já conheci.

Um homem rude, de maus modos. Grande, despenteado, grosseiro, e que cheira igual cavalo. Apareceu aqui com as calças acima da canela e sem nenhum tipo de finésse.
Não, definitivamente papai só pode ter perdido o juízo! E ainda contou com ajuda de Dinorá, que se diz minha amiga, mas já sabe há tempos que nunca irei me casar!!!
Aliás, não era um homem, era uma cavalgadura, um jumento que não sabe nem usar as palavras!

Tentei livrar-me dele, mas não consegui. Pedi ajuda às minhas amigas, que falharam - o plano que havíamos traçado lhe rasgou as calças, mas mesmo assim ele não desistiu.
Então recorri a minha interpretação novamente: fingi que estava grávida usando uma melancia. Mas seus maus modos me fizeram derrubá-la, e assim minha mentira foi descoberta.
Mas sabe o pior?
Ele pareceu não se importar.
Nem um pouco.
Além de achar divertido, comeu a melancia com as mãos, sem usar talheres, sentado no chão e sem modos algum.