Morbidade

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O silêncio já reinava no local há bons tempos, nem mesmo os pássaros ousavam cantar, a ausência de vento fazendo com que a vegetação permanecesse quieta.

Aquele lugar havia perdido toda sua vida há muitos anos, fazendo jus á dona. O único ponto de cor no meio de tanto mato era o costumeiro visitante ruivo, com suas roupas elegantes, e buquê de flores azuis nas mãos.

Chuuya estava ali pela milésima vez. Por mais que dissesse a si mesmo que era uma perca de tempo deixar sua casa, o belíssimo jardim de flores vermelhas do outro lado da rua, e ir ficar batendo papo com um ser irritante, sempre acabava caminhando por aquele terreno horrendo, segurando as mesmas flores azuis.

Sabia que não devia se envolver com absolutamente ninguém daquele lugar, sua tia Koyou sempre o alertava sobre a clara divisão entre os seres da vida e os da morte.

No jardim da vida, tudo era dotado de uma beleza vívida e ensolarada, sorrisos genuínos e organização. No jardim da morte, as coisas eram mórbidas, névoa escura pairava por todos os cantos, o ar frio congelando até os ossos, os habitantes sempre trajados de preto, com seus olhos capazes de apodrecer sua alma e sorrisos de escárnio.

Mas mesmo num lugar como aquele, Chuuya encontrou algo, ou alguém tão interessante e bonito quanto qualquer um do jardim da vida. Ele se lembrava bem da primeira vez que se deparou com o tão famoso Demônio, o filhinho predileto da Morte, a fundadora do jardim.

Naquele dia, Chuuya estava irritado, suas frustrações transbordando dentro de si como uma cachoeira, não queria saber de mais nada. Os problemas de sua vida nunca se resolviam, ele parecia nunca se encaixar no meio daquela gente alto astral e primaveril. Decidiu então que quebraria as regras, iria se mudar para o jardim da morte e se isolar de toda e qualquer estupidez alegre de seus conhecidos.

Quando entrou no jardim, um calafrio percorreu sua coluna, as mãos tremiam por algum motivo que nem sequer sabia, os passos cautelosos esmagando o gramado cinzento. Pensou melhor em sua decisão quando parou de frente para um enorme arco negro, estátuas de seres monstruosos paradas nas laterais. Do outro lado, infinitas catacumbas e covas enfeitadas com cruzes de pedra e madeira, espinhos por todo lado e rosas negras florescendo em meio á névoa.

Era um lugar horripilante e terrivelmente mórbido. Chuuya deu dois passos para trás, não era medroso nem nada do tipo, mas também não era burro de entrar num lugar daqueles sozinho. No horizonte, o sol já estava se pondo, a escuridão tomando lugar pouco a pouco, o incentivando a fugir dali sem olhar para trás.

- Parece que temos visita.- Pulou de susto no lugar ao ouvir alguém atrás de si.

Virou-se rapidamente, mas não havia ninguém ali. Olhou em volta, se perguntando se já estava ficando afetado pela névoa e o medo, ou talvez algum daqueles seres horripilantes estivesse zoando com sua cara.

- Quem está ai?!- Gritou sentindo a raiva voltar a lhe impulsionar.

- Eu que deveria fazer essa pergunta, já que o invasor aqui é você.- A mesma voz ecoou, dessa vez um pouco mais perto.

- Acho melhor parar de gracinhas, não sou uma pessoa paciente.- Chuuya cruzou os braços, os olhos se estreitando tentando ver através da névoa.

- Para seu azar, eu sou a pessoa mais paciente que vai conhecer na face da terra.- A névoa se dissipou aos poucos em um ponto específico, e de entre as árvores, surgiu um homem alto.

Chuuya sentiu-se um anão diante da figura elegante á sua frente, as roupas pretas quase se misturavam com a noite ao redor, um longo sobretudo vermelho sangue depositado sob os ombros largos, ataduras em volta dos braços, pescoço, e olho direito, o cabelo ondulado num tom de chocolate.

- O que faz por aqui?- O mais alto perguntou após um instante de silêncio.- Seres do jardim da vida são proibidos de entrar aqui, se minha mãe ficar sabendo vai ter problemas.

- S-sua mãe?- Chuuya quase se bateu por ter gaguejado num momento daqueles.

Um arrepio ergueu os pelos de seus braços quando um sorriso misterioso brotou nos lábios do moreno.

- Eu me chamo Dazai Osamu. - Se apresentou com uma curta reverência.- Sou o filho mais velho da Morte, prazer.

Chuuya sentiu que seus olhos saltariam das órbitas, estava bem diante do tão falado Demônio, sozinho, de noite, onde não devia. Se voltasse vivo para casa, sua tia certamente o faria um alvoroço enorme, o envergonharia na frente de todo o jardim, e comunicaria a senhorita Vida.

- Meu nome é Chuuya, e eu não estava invadindo......eu só me perdi.- Sorriu amarelo.

-Oh,entendo perfeitamente, eu me perco sempre também.

-Sério?- Sorriu esperançoso.

- Não.

O sorriso rapidamente sumiu, dando lugar á expressão irritada de costume.

Depois de ter sido literalmente pressionado com a força da presença de Osamu, assim como suas perguntas certeiras, o ruivo decidiu explicar toda a situação. Quando enfim tudo estava esclarecido, precisou aturar o maldito rindo de sua cara enquanto o levava de volta para a divisa dos jardins.

Depois daquele dia, Chuuya se sentia atraído de volta para o jardim, para a companhia intrigante de Dazai. Ele era um completo babaca irritante, mas eles compartilhavam de um companheirismo velado, isso era algo valioso para o ruivo.

Quando se deu conta de que estava caindo de amores por Osamu, passou a levar flores azuis para o mesmo, numa tentativa tímida de deixar dicas em relação ao que sentia. Até então, Dazai nada havia feito ou dito a respeito. Se o moreno correspondesse seus sentimentos, Chuuya não pensaria duas vezes para fugir com ele, em direção á qualquer lugar que não fosse um maldito jardim.

Passaria por cima de tia, de Morte, de Vida, de jardim, de tudo. Havia jurado a si mesmo que jamais permitiria que interferissem em sua felicidade, e se Dazai lhe trazia felicidade, nada ficaria entre eles. Depois de diversos surtos, depois de ter conhecido Osamu em meio á uma fuga desesperada, e ter aprendido tantas coisas com o maior, Chuuya se sentia muito mais confiante e determinado.

- Já disse que é pra parar de palhaçada.- A voz de Dazai foi ouvida de repente, logo em seguida, risos baixos.

Chuuya já havia acostumado com o fato dos irmãos de Osamu serem bisbilhoteiros, além de adorarem tirar sarro da cara dos dois.

- Já até mandei fazer minha roupa para o casamento.- Elise sorriu diabólica.

A loira estava sentada numa lápide, ao seu lado, Akutagawa e Gin se mantinham quietos, apenas observando.

- Juro que não aguento mais tanta enrolação, vocês claramente se gostam.- Elise resmungou, ignorando o olhar medonho que Osamu lhe direcionou.

- É, mas esse paspalho nunca diz nada.- Chuuya se manifestou, passando por cima de um tronco caído.

Jurava que viu as bochechas de Dazai ficarem vermelhas, mas resolveu focar no assunto em pauta, apesar da vontade de zoar o moreno.

- E então?- Incentivou, entregando as flores para o mais alto.

De repente, os irmãos de Dazai simplesmente sumiram sem fazer o menor ruído, deixando os dois sozinhos para se resolverem.

- Então o quê?- Osamu se fez de desentendido.

- Quer ser meu namorado?- Chuuya respirou fundo antes de dizer, sua cara ardendo de vergonha.

- Ah, já que insiste.- O sorriso descarado estava lá novamente, o trazendo borboletas no estômago.

- O que acha de fugirmos?- Chuuya abraçou a cintura do mais alto, se sentindo ridículo com o contraste de altura entre eles.

- Estaríamos fugindo só do seu jardim, por que mamãe nem se importa com essas coisas.- Dazai resmungou, roubando o chapéu do menor e depositando na própria cabeça.

- Então eu venho pra cá.

- Combinado então.

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One Shots ( BSD)Onde histórias criam vida. Descubra agora