The Killing Moon

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Sempre gostei de quartas-feiras. Da mesma forma que gosto de Gravesfield e de filas de mais ou menos três ou quatro pessoas na cafeteria: pequenas o suficiente para ser rápido, grandes o suficiente para minha mente indecisa escolher o pedido.

Quartas são assim. A imobilidade da rotina quase sempre reflete no clima nublado, como um fenômeno meteorológico previsível, mas não menos inexplicável. Minha forma niilista de encarar a vidinha que levo nessa cidade é validada, e eu me sinto criativa, talvez eu tenha milhares de textos sobre como Gravesfield é simplista, exatamente como eu.

Mas hoje não é uma quarta-feira de niilismos ou nuvens escuras, na verdade, é tudo menos isso. Minha mente está aceleradíssima, o que já é quase normal, mas sinto que desta vez está dez, não, cem vezes pior.

O livro que Amity me entregou, o qual eu não consegui passar das primeiras páginas ontem por motivos de uma mistura bizarra de sono e ansiedade, estava todo marcado e cheio de anotações pelo que vi ao folheá-lo. Não encontrei nada sobre "banimentos", talvez pelo formato, que realmente era em cartas, assim como ela havia me dito. Enfim, continuo mais perdida que cego em tiroteio.

Cheguei em casa mais cedo, meu encontro com o exorcismo era às sete. A esse ponto, mesmo com todas as provas que eu precisava, grande parte de mim só quer que isso acabe logo. Mais uma vez as palavras da garota de cabelos roxos algodão-doce se fixam em meus pensamentos: "se quiser mesmo entender melhor". Eu não sei se quero. Eu achava que sabia, mas talvez eu só queira minha vida de volta, tem semanas que eu não mergulho de cabeça em RPGs, ou leio romances idiotas... semanas que eu me sinto outra pessoa, não sei se isso é bom ou ruim.

Roubo alguns ramos de alecrim seco do armário de temperos e rapidamente os coloco em uma panela com água fervendo, morrendo de medo da dona Camila chegar em casa e me pegar no flagra, fazendo uma bacia de chá salgado.

A água ainda estava quente, isso relaxa meus músculos quando a derramo em mim. Deixo escapar um longo suspiro e eu jurei que ele segurava toda tensão que existia no meu ser. Parecia que um peso enorme escorria pelas minhas pernas enquanto sobravam algumas folhas da erva perdidas no meu corpo.

Mente vazia. No máximo uma preocupação leve sobre a minha roupa para hoje, mas fora isso, nada, até estranhei, mas decidi não contestar. Depois de tirar o último alecrim de um dos meus braços, termino o banho e começo a checar todas as etiquetas das minhas roupas até encontrar alguma "fibra natural".

Uma pesquisa rápida no Google me informa que jeans é supostamente natural e isso facilita tudo, e se está na internet é verdade, não é mesmo? Jogo um casaco aleatório por cima de uma camiseta preta de algodão e calças da mesma cor antes de sair de casa após escrever um bilhete para minha mãe e pregá-lo na geladeira. Deixo o celular em casa de propósito.

A atmosfera da casa 667 era sempre a mesma. Como se ela existisse em um plano diferente, e eu a comparo com um ímã, mesmo contra minha vontade, sempre me puxa para cada vez mais perto. Nada ao redor existe, apenas eu, a porta, e minha hesitação em tocar aquela maldita campainha novamente.

Há ruídos de conversas e risadas vindo de dentro, o que só me deixa mais nervosa, se é que isso fosse possível, o barulho só aumenta quando Hunter abre a porta e eu posso ver, de canto de olho, alguns rostos familiares. Engulo em seco.

A cena era uma da qual eu nunca achei que veria, mesmo já estando um tanto acostumada com o contato maior com pessoas desde que tudo começou, eu não esperava vê-los mais de uma vez na vida, até mesmo Amity, desde o momento que bati os olhos em seu rosto corado, nariz e bochechas cobertos por sardas claras, eu jurei que ela viveria somente em meus pensamentos.

Mas aqui estava eu, e lá estava o "Coven". Mesmo que não os conhecesse, mesmo que eu fosse uma cliente e objeto de estudo, eu os cumprimentei, e eles sorriram para mim, e não sei porquê, mas aquilo foi suficiente para que eu, mesmo que por um pequeno instante, sentisse que pertencia a algum lugar, pela primeira vez.

O Livro das Sombras [AU Lumity]Onde histórias criam vida. Descubra agora