Capítulo 1

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Louise

Reino Oeste

Em algum lugar no Mar de Lágrimas 

Sabe aquela sensação que você sente quando algo está prestes a dar errado? É como uma coceira incômoda que tem início em algum determinado ponto da sua mente até que se enraíza por todo seu ser. O gelo escorre por dentro de suas veias e logo suas mãos se tornam dois pedaços de mármore fria. O coração entorpece e um tum tum tum ressoa em seus ouvidos. De repente a respiração não é mais imperceptível, o suor se torna pegajoso e seu estômago revira como se tivesse criado vida própria. 

Aquela vozinha situada bem no cantinho esquerdo ressurge em minha cabeça. 

"Não devia ter vindo." -Ela declara e sou obrigada a concordar. 

Não sou uma grande fã do mar. Navegar em uma grande lona azul sem fim, nunca foi um dos meus alvos de grande prazer em particular. Talvez fosse o fato da insegurança, a ausência de terra firme, de uma coluna ou sustentação palpável em um caso de contratempo, ou quem sabe fosse a incapacidade de saber o que jaz abaixo dos meus pés, poderia ser o profundo vazio oceânico, um cardume de sardinhas ou um grupo de tubarões. Muitas coisas ruins podem nos atingir no mar sem que nem sequer tenhamos a chance de notar sua presença ou vir a se defender. Estar tão vulnerável, tão exposto e sem armas é a sensação mais agonizante que existe para se sentir.  No entanto, mais uma vez naquela manhã eu havia perdido a briga entre meu desejo e a vontade de meu pai. 

A epidemia de varicela que atingiu nossa cidade o havia deixado sem homens no convés, mas aparentemente um comerciante não pode continuar a tocar seu negócio com êxito sem conseguir abastecer bem seus estoques. Logo seria inverno, o frio afugenta não apenas os peixes, mas os mercadores de especiarias e Gin, sem bebidas, cravos e canela para fumo, papai provavelmente teria de fechar as portas no meio da grande geada, que ocorre no pico da estação. Logicamente ficaríamos também sem o dinheiro, mas apesar de ele sempre ameaçar a falta de comida no prato, tinha desconfianças que estivesse em posse de um grande tesouro a essa altura. 

Havia começado com a Conveniência e Tabacaria Hristova quando tinha apenas cinco anos de idade. No início éramos apenas uma tenda mal acabada em um canto deserto de Ciradela, hoje somos uma grande loja no maior ponto de comércio da Cidade, não há um ser sequer em Ragnar que não conheça os cigarros de Cravo e Canela dos Hristova. A mais ou menos cinco anos, papai conseguiu adquirir um navio de pequeno porte, antes suas viagens até nossos fornecedores em Tarefell duravam pelo menos uma semana ou mais com a caravana que por vezes enfrentava as estradas de Mitigar, repleta de bandidos e assaltantes. Escolher a rota marítima até Tarefell era não só mais inteligente, como lucrativo, evitava perdas e danos, além de otimizar o tempo de viagem, em apenas alguns dias. O problema é que navegar o mar de lágrimas não me parecia algo em que uma pessoa deveria pensar em fazer com prazer. Os mistérios e segredos do mar faziam meus pelinhos do pescoço se eriçar sempre que passávamos pelo caminho dos enforcados. 

Reza a lenda, que durante a Guerra da Noite Eterna, quando o Rei da antiga e agora árida e destroçada Estrelaris governará, mais de mil homens fora condenado a forca neste ponto de passagem entre as arrebentações e corais na entrada portuária de Tarefell. Conta-se que a Magia sempre existiu nessas terras e que o Rei dotado de poder das sombras escondeu o sol e assolou os cinco reinos em tirania. Algumas versões da mesma história menciona que sua Majestade talvez estivesse possuído por algo maligno, em outras ele havia nascido vil desde o início, mas todas terminavam iguais, com  um ser metade mágico, metade humano que sangrará na entrada da cova do mal o separando do mundo real. 

Agora os quatros reinos se encontravam em segurança, protegidos pela tal existência de um portal que nos separa do sobrenatural em algum ponto da ponte do desespero ao norte de Ragnar, na travessia para a esquecida Estrelaris. 

A Coroa do LesteOnde histórias criam vida. Descubra agora