Capítulo 02 -Mentiras constantes

156 37 61
                                    

— Oi filha, cheguei! — Diz Suzana, mãe de Ângela. Suzana se encontrava totalmente ansiosa para ouvir a primeira impressão de sua filha em um ambiente que a mesma não conhece (a escola). Suzana pousa as sacolas de compras na cadeira mais próxima que encontrou enquanto a ansiedade permeava cada poro dela por notar que em 1 minuto Ângela não mostrou sequer um mínimo sinal de vida — Filha? Ângela? — Grita a mãe preocupada dando passos firmes e rápidos enquanto marca o ambiente em seu redor com o som de seus saltos a baterem sobre o piso de madeira.

Preocupada, Suzana sobe apressadamente as escadas, desfazendo o acessório que prende seus cabelos castanhos e lisos. O solto de suas madeixas dança sobre suas costas enquanto ela sobe desesperadamente, quase escorregando e agarrando-se ao corrimão para evitar um acidente. As risadas distantes das crianças na rua permeiam o ar, proporcionando um contraste perturbador com a atmosfera carregada de tensão que paira dentro da casa. Chegando finalmente ao corredor, Suzana dá três leves toques na porta de Ângela, não dando tempo para uma resposta. O rangido da madeira ao abrir-se ecoa pelo corredor, criando um som agudo e melancólico. Movida pelo desespero, Suzana abre a porta lentamente, esticando o pescoço para dentro, deparando-se com um volume sob o cobertor, pertencente à própria filha.

—Você está bem, filha? — Pergunta Suzana, preocupada, lançando um olhar minucioso a Ângela. O silêncio na sala é interrompido pelo leve ruído do vento soprando pelas frestas da janela entreaberta, criando uma melodia suave e triste.

— ... — Ângela não responde, apenas inspira forte, deixando lágrimas caírem sobre seu rosto. Suzana, mais preocupada, abre a porta por completo, sentando-se magicamente ao lado de Ângela. O estalar do assoalho sob o peso de Suzana se mistura ao som distante de um rádio que toca uma música nostálgica. Ela passa a mão sobre o ombro da filha e, após um suspiro, oferece um sorriso fraco.

— Ângela, não precisa me esconder nada. Há algo específico que queira me contar? Quer conversar? — Suzana pergunta com preocupação, acariciando o ombro da filha com delicadeza. O relógio na parede emite um tique-taque constante, marcando o tempo tenso no quarto.

Ângela apenas abana a cabeça, indicando que não deseja falar. Suzana faz uma careta confusa, conhecendo o suficiente sua filha para perceber que ela claramente mente e que está tão mal quanto uma formiga sem seu grupo.

— Filha, eu entendo que não queira falar... mas estou aqui para te ouvir caso deseje fazer isso. — Suzana diz em tom calmo e compreensivo. O som do vento lá fora intensifica, criando uma sinfonia de suspiros que ecoam pela sala.

Sem dizer nada, Ângela tira o cobertor e abraça sua mãe, ainda com o rosto molhado. O rangido suave do sofá à medida que elas se acomodam cria uma harmonia discreta. As bochechas da garota loira contornam o peito de sua mãe, e em questão de segundos, marcas de lágrimas mancham a blusa de Suzana. Quando Ângela ergue a cabeça, Suzana nota as lágrimas.

— Ângela, tem certeza que não quer conversar? Você está chorando... — Suzana observa o rosto molhado de sua filha. - Faça como quiser. Quando quiser conversar, estarei aqui. —Ela passa o polegar sobre a pálpebra inferior de Ângela, secando as lágrimas. —Quando se sentir melhor, desça para jantar, pode ser? — Notando que sua filha sorriu como resposta, Suzana retribui com um sorriso leve e aproxima seu rosto do de Ângela, selando a testa dela com um beijo calculado e minimalista. Suzana levanta-se da cama e caminha até a porta rapidamente. — Ah, já ia me esquecendo. Não esqueça de tomar seus remédios, dois azuis e um verde.

No silêncio pós-abraço, Ângela desliza para o sofá da sala de estar, onde a penumbra ganha vida com a suavidade do carpete sob seus pés. A respiração constante de Suzana é a trilha sonora que envolve o ambiente, criando uma ligação entre a preocupação materna e a quietude da noite que se desenha lá fora. O farfalhar suave das folhas ao vento e o distante coaxar dos grilos preenchem o espaço, fundindo-se com os murmúrios distantes da cidade.

SuperficialOnde histórias criam vida. Descubra agora