"Falam que a pedra de Bolonha, quando exposta ao sol, absorve os seus raios e reluz por algum tempo durante a noite. Dava-se o mesmo comigo e aquele rapaz. A lembrança de que os olhos de Carlota haviam pousado em seu rosto, em suas faces, nos botões de sua casaca na gola de seu sobretudo, tornava-o tão querido, tão sagrado para mim! Naquele momento não daria aquele rapaz nem por mil táleres! Me sentia tão bem em sua presença..." [Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe].
Meu caro,
Desde o último dia em que decidiu despedir-se de mim. Deixou-me à mercê de tamanha dor e de um ódio excruciante. Após meses convivendo e criando momentos ao seu lado, despede-se de mim, sem a maior dificuldade, como se exatamente coisa alguma tivesse pertencido a você.
Vejo, apenas tarde demais, e com sua decisão de pôr um ponto final, que nunca integrei sequer parte insignificante de sua vida.
Os materiais que se anunciam para que se comprove esse sentimento de excruciante dor, a infligir o âmago e a tropeçar sobre os meus estudos, estão em todos os momentos em que não existi. E não foram poucos.
Todas as tristezas que venho tido desde então, me assolaram com igual raiz ao que me assombra o pensamento de reter em mim todos os disparates que lançou e me fizera carregá-los.
Almejo expandir. Almejo perder os meus receios e medos.
Quero me permitir integrar o mundo, e poder ser feliz com coisas mais sinceras. Meses vivendo dentro da manipulação do não-ideal.
Encontrando-me novamente, apesar de não redigir obras belíssimas para a crítica marxista ou desenvolver teorias que possam ajudar o mundo, no que diz de ser útil, escrevo, de coração aberto, os meus desesperos cotidianos. Que tocam à porta e eu os tenho deixado sair, ao invés de comprimi-los e mantê-los à minha casa.
Já não estava me cabendo mais tamanha solidão.
Ainda que eu diga que não lhe quero e que já não há nenhuma ligação em meu coração a você... simplesmente meu corpo vagueia por teus arredores.
Não quero ver-te, nunca mais! Menos ainda, beijar-te! Não quero sentir a sua pele! Mas, ao mesmo instante em que o repulso com tamanha força de mim, uma força ainda maior me movimenta e me traz para perto.
Eu só queria dizer que, apesar de todas as palavras cortantes disparadas pela sua boca, apesar de terem me fatiado por dentro e por fora, eu ainda tenho esperança de que você, pelo menos por um único minuto, pense em como você me manteve longe. E eu espero que seja tristemente tarde demais!
Em todos esses meses, conheço mais a cada aspecto de sua casa, desde as fissuras mais imperceptíveis na parede até ao detalhe das listras do sofá cor de areia, do que conheço sua vida.
Esse sentimento triste, me permeia por completo. Ao menos hoje, em que estais a compartilhar a vida com quem você sempre compartilhou, guardo as lágrimas no peito e juro a mim mesma: ainda que eu pense, eu nunca mais derramarei uma lágrima de meu pranto a você.
Sei que nunca sentiu amor por mim. Ainda não entendo porque me procura, se sabes que tanto me dói ter de rever esse seu rosto. Que me causa tanto ódio, e mutualmente, tanta dor. Já não me causa amor.
Talvez para quando não formos tão sentimentais. Para quando não formos tão frios e distantes um do outro.
Eu não suportava mais a ideia de existir, e, ao mesmo tempo, não existir, ao seu lado.
Minha dor segue.
O caminho está perdido, como sempre esteve. Não há caminhos sem você.
Andei sempre sozinha. Sendo a mesma Carlota de sempre, antes ainda havia certo desenvolvimento pessoal. Desde quando você entrou em minha vida, já não sabia mais em que mês estávamos ou ao que deveríamos rir.
Já não me recordo das boas memórias.
Olhando-as deste presente tão mórbido e, ao mesmo tempo, singular e singelo, a desconstrução do meu eu após o meu você, tais memórias fazem parte de um passado que não vou esquecer. Apesar do nosso fim, ainda continuar acontecendo, entre longos encontros e despedidas, já não te levo comigo aos lugares em que caminho, sequer em minha mente.
Com amor,
Carlota.