O barulho do cachorro latindo ecoa pelos pequenos cômodos da casa. As crianças dos vizinhos estão a gritar e a rir de qualquer percurso que a bola colorida faz. O som estridente das músicas que coabitam no imaginário popular, trazendo algum tipo de reconhecimento... Todos os sons me circulam. Todos esses sons me atravessam, constantemente, dia após dia. É-me difícil prever quando o cachorro deixará de latir, quando as crianças deixarão de brincar, quando a música deixará de soar.
Hoje não me atenho às questões políticas que têm circulado nas manchetes. Hoje não me atenho a existir de forma efetiva junto aos sete bilhões que coabitam este planeta. Hoje me atenho a falar de minha solidão, por mais tacanha e egoísta que possa ser.
Circunda o corpo, sente o coração a bater frio no peito. Apesar de poder senti-la, tocá-la e abraçá-la a solidão é questão da pós-modernidade.
Desde os grandes pessimistas (e irracionalistas) que moveram linhas ideológicas capazes de acelerar o processo de individualização engendrado no seio da sociedade capitalista e, com a configuração de mundo na qual vivemos, com as apologéticas desenvolvidas desde então, com a autovalorização e com a autossuficiência (quase místicas), os discursos que apoiam a solidão como forma de ser propriamente assim... tornamo-nos cada vez mais solitários.
Por vezes, sinto-me mal por me sentir tão só. O sentimento de ausência. A necessidade de tentar existir para alguém... É o grande vazio de minha alma. Meu corpo sente a ausência?
Ainda que triste, não consigo fugir de manter a esperança viva. Esperança de um dia tornar-me um indivíduo perene. Tornar-me alguém, ainda que na memória de um. A necessidade de existir, nesse caso incendiário, parece-me atrelado ao sentimento de solidão. Sinto tanto e não posso deixar-me liberta desse sentimento. Desperta-me uma ansiedade imensa. Uma ansiedade por não existir a ninguém. Uma ansiedade para existir.
Meu coração já não tem batido da mesma forma. Os dias passam e perpetuo a minha não existência à necessidade de existir e de não existir. De ser e de não ser.
Tenho pensado mais em desistir, em desaparecer.
Dói-me a ideia de desaparecer da presença daqueles olhos. Assim como me dói a ideia de permanecer, sentindo-me mal, existindo e mal existindo.
A cada dia, o valor de minha existência se comprova. Como parte inerente de um sistema de troca, de compra, de valoração, rentabilidade, marketing, vendas, minha existência ainda que como um produto, não se comprova. Minha existência, minha solidão, minha ansiedade. Ansiosa para existir e para deixar de existir. Ansiosa para falar e para deixar de falar. Ansiosa para vê-lo e deixar de vê-lo.
Entre o pertencer e o não pertencer, mal sei a qual escolha devo me firmar. Tudo permanece tão doloroso e passivo em mim. A solidão me devora. A coragem me enrubesce.
Sentir essa não existência, vinda dele, me faz querer não mais existir. Se não existo. Não deveria existir. Nem pensar em concretude de coisas tão reais. Deveria unir minha consciência ao cosmo, deixar meu corpo flutuar sem rumo assim como essas palavras jogadas linha após linha em uma tela em branco.