Julho sem fim 2022

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Depois de muito tempo sem me ser, por fim, me sou. Não sou mais quem lhe era. Não sou mais contigo. Sou, apenas, só. Como uma nota soada sem o auxílio de algo. Como um som desprendido de técnicas. Desafinado. Sozinho.

Existo a passos largos, em uma rua estreita. Sou o caminhar da moça, vestida de bege, repleta de esperanças em seu caminhar. Se formar, se casar. Sou a vida que dela pulsará. A criança que em seu berço pousará. Sou todas as coisas boas.

Sou a morte e todas as coisas que dela partem: dor e desassossego. O desacostumar-se à vida. Moro na tristeza que dela emana.

Cenários.

Sob teus olhos, visualizo teu rosto. Sinto tua pele. Não mais me sou. No momento da dança, sou você. Os pés, os meus pés, que me guiam desastrosamente a uma atordoada música, são guiados por você. Em instantes, somos um. Cantando, girando, sentindo sua mente controlando meu corpo. Teus olhos aos meus. Proporções tão distintas, abrangências claras.

Caminho sobre o cômodo, que não mais é meu quarto. Transcende o espaço e caminho por sua mente. A vejo. Vejo a vitória que brada de seu peito, o grito cálido de amor e paz. O vencer de uma guerra tão longa. Devastado. Saiu.

Procurando quem não mais lhe queria dar colo. Saiu, sem lar, sem nada. De teus olhos não restam mais que lágrimas. O retorno, a tentativa dele, todas as vezes frustrado pela derrota. Havia perdido o que já não tinha.

Abismado. Quebra todos os móveis à sua frente. Incendeia-os com as lágrimas que descem de seus sulcos, repletas de acidez. Depois de tanto tempo, lhe era imprevisível saber que quem tudo quer, perde o que tem.

A moça, que ao caminhar trazia consigo teu canto afinado, foi embora. Lhe deixou sem sequer apontar os dedos, apenas partiu e saiu do cômodo que não era mais o quarto seu. Deixou o vermelho da parede nela mesma e decidiu não mais voltar.

Seu lugar.

Seu lugar é o que está, não mais existe. Não há mesas, casas, cadeiras. Há, sim, paredes. 4. Prateleiras velhas e sujas, sem livros ou decorações sobre elas. Tudo o que fora criado para lhe receber e guardar foi tirado. Não há saída, nem portas sequer. O jardim que antes havia também partiu. Lhe resta chão, e pouco ar. O arejo do telhado quebrado há de lhe confortar durante um tempo.

Não existe mais lugar para você.

Eu fui embora quando você decidiu ir primeiro.

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⏰ Última atualização: Aug 11, 2022 ⏰

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