17 de julho de 2022

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Meu caro,

Esta carta lhe redijo secretamente, e com muita dor, na esperança de que algum dia se pegue pensando e a encontre.

Desde quando os passos marcaram a sua partida pela estrada de minha vida, jamais retornara a cruzar sequer a tristeza e, tampouco a saudade. Tudo o que aqui está, permanece.

De fato, em alguns momentos sinto em mim a necessidade de retornar ao lugar ao qual não cabia e tentar, novamente, me expremer no pequeno cubículo que me cedia.

A sua tentativa de me afastar me fez cada vez mais me ver distante de vós.

Sequer consigo olhar para as nossas fotos e sentir saudades. Lembro dos bons momentos e, por instantes, é só isso. O tempo ao seu lado era caótico, doía ao mesmo tempo que passava. As dores que me causava permanecer num lugar tão pequeno não me deixavam viver: cultivava um monstro que há muito não conhecia.

Após meses, óh! como tenho conseguido sorrir! E de um modo como você nunca viu. Meu sorriso, meu canto, tudo têm sido tão autêntico desde quando partiu. Não sinto sua falta, já não consigo sentir mais nada pela vida e, por isso peço que não retorne. A anedonia que me assombrava quando ainda estávamos enlaçados continuou e, ainda assim, tenho conseguido sorrir em dados momentos. Tenho conseguido ser feliz, dançar como nunca dancei, cantarolar como nunca cantarolei.

Por vezes, lembro de nós, inocentes, vivendo cada experiência como se estivéssemos descobrindo o mundo e, de fato, estávamos. Descobrindo o mundo um no outro. Este tempo é tão saudoso e, com tremenda rapidez, passou... que é-me difícil recordar desse passado tão agradável.

A verdade é que nos perdemos, no meio do caminho. Você e seus outros relacionamentos, eu e minha mania de querer participar ativamente da sua vida — me sentindo cada vez mais distante e jogada às paredes e, sem dúvidas, era o que estivera acontecendo durante muito tempo.

O monstro que me habitava, que há muito conhecia, partiu desde quando fomos embora do nosso lugar. Talvez ele ainda esteja lá, à espreita, esperançoso de um retorno amiúde. Mas receio que nossa partida não será precedida de retorno, afinal, nossa vida está prestes a começar e, nesse momento em específico, não temos mais espaço um na vida do outro... precisamos crescer.

Ainda que eu tenha-lhe visto se desenvolver, de um menino a um "quase" homem. Lembro de sua inocência e ingenuidade para com a vida e as coisas, sua curiosidade tão sensível sobre as coisas ao seu redor... onde ela foi parar? Nas nossas últimas semanas juntos sobrou apenas o caos e a grande e difícil veracidade: teríamos que partir, já era hora (e há muito tempo adiávamos). Já não cabíamos um ao outro.

O toque havia morrido, junto com todos os nossos desejos. Eu não mais lhe via. Assim como via em mim um borrão sem contornos. Estávamos distantes e ausentes um ao outro, nossos corpos marcavam a hedonia que compartilhávamos, a monotonia nos derrubou de forma que nos era impossível retornar.

O nosso lugar não era mais nosso e nossa casa desmoronava, pedaços de concreto e laje caia sobre as nossas cabeças há muito tempo. Apenas nos restava deitar e esperar, ao menos, sermos atingidos. Não poderíamos permanecer, tudo estava morto, definhando, quebrado de um jeito que nos era impossível consertar.

O amor tem idas e vindas, partidas e recomeços.

Nossa história acabou. E é isso. Tivemos de partir porque já não existia nada além de uma nostalgia bonita de um passado sem histórias, existia apenas a fantasia de um pertencer que não existia mais. Estávamos só. Caminhando e rodando, estreitando relações alheias, experimentando o que a vida nos tirou.

Ainda que com um fim desastroso, te desejo o bem. Porque ainda lhe restou a persistência que sempre me impressionou. O seu futuro é tão grande quanto as reticências que preveu em seus escritos de morte.

Sinto muito por ter-lhe feito sentir imensamente tanto todas as coisas. Eu sempre tendi ao efervescer, ao calor, a intensidade de todos os sentimentos sem dosá-los. Sei que há muito te machuquei e deixei marcas profundas em você, assim como o fez em mim e tempo algum será capaz de apagar.

Nós não estamos mais enlaçados, a linha que nos coligava se partiu. A vida que nos reunia, morreu. As cinzas de um futuro incerto acompanhou a rota dos ventos. O que sobrou fomos nós, separados por alguns bairros e pessoas. Esperando ansiosamente não nos encontrarmos em cada esquina, em cada lugar.


GardenheadOnde histórias criam vida. Descubra agora