Para Isis, minha querida irmã morta...
05 de fevereiro de 2022
Não tenho a mínima ideia de como você lerá este diário. Talvez eu caminhe até a praia, rasgue suas folhas e as jogue no mar, recitando um punhado de palavras bonitas. Me parece poético, mas sei que você acharia um tanto quanto bobo e piegas, como achava muitas das coisas que eu fazia. Devo dizer que continuo um tanto quanto boba e piegas e agora um tanto quanto louca também. Louca como era mamãe...
Neste instante paro de escrever e ergo minha cabeça à procura de fantasmas. Um estalo na madeira de algum móvel me deixou em estado de alerta, de ombros encolhidos e mandíbula travada. Vejo Poncho atravessar o corredor, a cauda em formato de espanador chicoteando o ar em câmera lenta. Me pergunto se ele já descobriu que Isis está morta ou pensa que ela apenas não retornou da viagem ainda.
Tento relaxar e volto a escrever.
Como estava dizendo, sinto que estou ficando louca. Vejo figuras sombrias em meus sonhos e a água não parece mais um lugar seguro. Irônico, não?
Depois que cheguei ao Brasil, Fernanda me deu alguns dias de folga, disse que eu deveria descansar. Tudo que fiz foi ficar trancada em nosso apartamento, rolando páginas e mais páginas de jornalismo esportivo. Não precisava lê-las, sabia nossa trágica história de cor, ainda sim, não conseguia evitá-las.
Vi as fotos dos restos de nossa embarcação flutuando no mar, entrevistas de autoridades portuguesas falando sobre as condições climáticas daquele fatídico dia, coletes vibrando em cores fluorescentes e um helicóptero de resgate. Felizmente nenhum registro do saco plástico com seu corpo sendo transportado, mas não era isso que eu procurava. Aquilo seria macabro mesmo para mim, em meu estado melancólico que começava a ganhar ares de perpétuo.
Eu procurava um deslize. Alguém que simplesmente tinha confundido nossos nomes e me matado em seu lugar. Não parecia justo que quem tivesse partido fosse você, a primeira do pódio, a irmã gêmea mais divertida, o centro de massa de nosso pequeno sistema. Entretanto, todas estavam livres de erros e eu estava viva em qualquer sentido físico e mecânico da coisa. Viva como um verme zumbi penetrando nos ossos do esqueleto de baleia que era você. Sim, isso existe. Não sei como os mortos poderiam acessar a internet do além vida, mas se isso for possível tente jogar "Osedax" no Google.
Enfim, voltei ao centro esportivo dias antes do combinado. Apesar do olhar reprovador de Fernanda, ela me deixou voltar a treinar. Comecei com os aparelhos, uma corrida na esteira, exercícios com o elástico. Tudo corria bem - até onde a vida de um verme zumbi poderia estar bem.
As meninas fizeram um memorial de fotos para você, onde ficava o mural de avisos no corredor atrás da academia. Elas me trataram com certa cautela, no início houve uma avalanche de condolências, mas que logo virou conversas esporádicas. Eu também evitava longos diálogos. Todavia, os cochichos estavam ali, nos cantos do ginásio, no vestiário, eram acompanhados por olhares suspeitos, eu conseguia senti-los. Você os sentia em seus últimos meses de vida?
Bem, acho que com mamãe foi assim. Muito antes que ela pensasse em pegar uma faca e começasse a berrar sobre bolsas de sereia eclodindo em seu ventre, todos já sabiam de sua insanidade. Saberiam da minha também, era nosso lance família. Parece precipitado, mas não sou capaz de impedir que o pensamento tome conta da minha mente agora paranoica.
Quando decidi finalmente ir para a piscina tudo apenas se confirmou. Não consegui dar mais que algumas braçadas, estava em pânico, mal conseguia sentir minhas próprias pernas. Isis, o que está acontecendo comigo? Por que diabos você tinha que partir?
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Olá, sou a S. Kaline, mas pode me chamar de Stef e antes de mais nada queria agradecer por ter dado uma chance a essa obra. Obrigada, falando sério, você merece um fandangos sabor presunto e um café! \0/
Em segundo lugar e não menos importante esta história se passa em Pedra do Sol, uma cidade fictícia próxima a Ilhéus, na Bahia. Sou nativa do interior de Minas Gerais, logo gostaria de pedir sugestões dos próprios leitores nordestinos para uma melhor adaptação dos diálogos e costumes de lá. Viu algo que pode ser melhorado? Comenta ai.
Mais uma vez muito obrigada por ter vindo e boa leitura! :)
Abraços,
Stef
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Corpos Flutuantes
Mystery / ThrillerJade Maria Mirantes é uma promissora nadadora que vê sua vida mudar drasticamente após a morte de sua irmã Isis em um acidente em alto mar. Tomada pelo luto e estranhos ataques de pânico que a atingem em todas às vezes que tenta voltar as piscinas e...