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Chegamos ao meu prédio às onze e vinte e cinco, era uma manhã quente. Ondas de calor faziam seu malabarismo no meio da rua, mas no saguão do Queiróz o ar era fresco. Diego tinha acabado de mexer no ar condicionado e agora fazia a cruzadinha de uma revista Coquetel que alguém havia deixado ali.

A dica era "subir como alpinista", sete letras na horizontal. Estava terminando de escrever a palavra "escalar" quando coloquei o prato descartável com uma fatia de bolo de morango coberta por um guardanapo em sua bancada.

— Bom dia, Jade. Que calor, hein? – ele disse, enquanto ajustava a postura como sempre fazia quando me via. Um sorriso mais que amigável se abriu em seu rosto quadrado.

— Demais. – concordei, retribuindo o sorriso e em seguida apontando com o queixo o prato – Teve uma confraternizaçãozinha lá no Centro, te trouxe um pedaço de bolo.

A notícia fez seus olhos cor de mel faiscarem e logo estava erguendo o guardanapo para dar uma espiada. Pedaços de fruta soterrados em massa molhada lhe deram um olá. Para a tristeza das meninas o bolo rachara quando fora desenformado, mas embora a apresentação tivesse deixado a desejar o gosto estava muito bom.

— Você é a melhor moradora que esse prédio já teve. Sério, ninguém me traz bolo aqui. É uma pena estar indo embora. A mudança termina hoje?

— Sim e amanhã vou embora.

Nesse momento vejo pelo canto do olho Don, em um ponto mais distante do hall, se abaixando para amarrar um dos tênis. A movimentação também chamou atenção de Diego.

— Essa é Don, uma amiga de Pedra do Sol.

Sem se levantar completamente, Don ergueu uma mão em cumprimento que Diego respondeu com um aceno de cabeça.

— Bem, precisamos subir. – eu disse, por fim.

Diego fez questão de se pôr de pé, como se estivesse pronto para o serviço militar, era um palmo mais algo que Don e tinha quase duas vezes sua massa muscular.

— Muito obrigado pelo bolo e se precisar de algo só chamar.

Agradeci e nos despedimos, seguindo para as escadas. Eu morava no segundo andar e nunca usava o elevador, a não ser para transportar algum móvel. Eu ia a frente e Don a um degrau abaixo com um meio sorriso nos lábios que indicava alguma piada sendo processada em sua cabeça.

— O que é? – me adiantei, puxando a alça de minha bolsa de treino para mais perto do meu ombro.

— O porteiro tem um crush em você.

— Nós somos amigos.

— Ok – disse Don parando de andar e segurando o corrimão, quando a encarei seu olhar era o mesmo de quando me descrevia um caso criminal. – Ele vai no seu apartamento entregar suas encomendas ou deixa na recepção como a dos outros moradores?

Fico muda um segundo não querendo lhe dar a vitória, mas ela sustenta meu olhar com a expressão de um felino extremamente esperto.

— Ele vai até meu apartamento. – digo dando as costas a ela e acelerando o passo chegando no último conjunto de degraus. – Você está parecendo a Fernanda, criando teoria sobre a vida amorosa das pessoas.

— Ela também acha que o porteiro do seu prédio está a fim de você?

— Não. Ela acha que nós ainda temos algo.

— Bom, eu estou solteira. – Don rebateu com naturalidade e em tom descontraído.

Parei no fim da escada, dona Inês, minha vizinha de porta cruzava o corredor, arrastando suas sandálias ortopédicas em um passo absurdamente lento. Usava máscara, mas a mesma estava frouxa e caía cobrindo apenas o queixo e parte da boca.

Corpos FlutuantesOnde histórias criam vida. Descubra agora