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Cai sobre os azulejos de uma das bordas da piscina em um baque surto de carne sendo atirada na bancada de um açougue. Meu coração socava meu peito freneticamente e respirava de um jeito esquisito que nada tinha de semelhante a da atleta profissional que esperavam que eu fosse.

Consegui sair da água milésimos de segundos antes de meus membros inferiores falharem completamente e eu perder a mobilidade da cintura pra baixo. Era uma sensação assustadora. Pernas e pés, tudo estava ali, mas nenhum deles funcionava.

Concentrei toda minha energia e determinação vacilante para tentar mexer o dedão do pé direito. Aquele cuja pele era marcada por uma fina cicatriz que ganhei escorregando em rochas na praia quando era criança. Recebi a indiferença, fria e áspera.

Rolei pelo chão até ficar de barriga pra cima e meus olhos fitaram o teto alto do ginásio com suas lâmpadas de tubo apagadas presas a treliças e vigas metálicas. A única iluminação daquele espaço vinha do vestiário e das frestas próximas ao telhado que capturavam o brilho dos postes da rua.

Lá fora, o relógio de pulso de algum motorista de uber que passava em frente ao centro esportivo Silva Santanna naquele instante marcaria vinte e uma em ponto, enquanto o mesmo reduziria a velocidade para atravessar o quebra-mola. Eu não deveria estar ali, mas ter sido assistente no treino da equipe de natação infantil ano passado me fez ser dona de uma esquecida cópia do molho de chaves do ginásio.

Completamente sozinha e no escuro, senti vontade de gritar, no entanto, a ansiedade tinha dado um nó em minhas cordas vocais e tudo que saiu de meus lábios foi um gemido baixo. Minha visão ficou turva e lágrimas cortaram meu rosto se misturando com as pequenas gotículas de água com cloro da piscina que pingavam de mim.

Não sei quanto tempo permaneci naquele estado, esperando sem sucesso que meus movimentos voltassem. Era difícil medir em minutos. Fiquei ali até começar a tremer de frio e por dois ou três pensamentos mórbidos. Em seguida, me arrastei ao vestiário, usando apenas os braços. Não era realmente um problema, a distância era mínima e ainda tinha os músculos de uma nadadora.

Ignorei a vontade de olhar para qualquer lado do corredor que existia entre o vestiário e a área da piscina esportiva até ser banhada pela luz amarelada do cômodo. Uma parede de armários de latão me deu boas-vindas quando entrei, bem como o cheiro de produtos de limpeza que emanava do piso recém esfregado. Há alguns passos da entrada, no centro do espaço, erguia-se um banco de ferro pintado de azul. Minha mochila pendia aberta sobre ele.

Minha mão alcançou a alça mais próxima e puxei a mochila para o chão. Uma caixa ainda lacrada de band-aids Johnsons e um punhado de moedas miúdas voaram para fora, junto com meu celular. Dedos trêmulos o resgataram da bagunça e desbloquearam a tela.

Eu buscava segurança, algo sólido e conhecido onde pudesse me apoiar. Algo que me transmitisse o oposto da sensação do meu corpo submergindo. Isso culminou na foto de perfil do Whatsapp de Don ocupando a tela do meu smartphone, com seus cabelos loiros em completo desalinho, sorrindo de cima de um quadriciclo de passeio caro, com seu rosto sendo beijado pelo sol.

Foi preciso de apenas dois toques para que ela atendesse minha chamada:

— Alô, Jade? – sua voz firme rompeu a quietude do vestiário. Por um gesto instintivo, pressionei com mais força o celular contra meu rosto, como se isso me colocasse mais próxima dela, como se fosse possível sentir sua respiração quente contra minha pele e capturar seu calor. – Jade? Você está aí?! – Don continuou, suas palavras começaram a ganhar um tom de preocupação.

— Sim, estou. Desculpe te ligar em vez de mandar uma mensagem. Só queria ouvir sua voz. – respondi por fim, tentando soar natural, o que era patético naquele momento. Era ainda mais patético imaginar que ela acreditaria nisso.

— Não precisa se desculpar, eu já iria te ligar mesmo – ela fez uma pausa, avaliando a situação, me avaliando. – Você está bem?

Suspirei. Varri com o olhar o vestiário vazio. De um dos armários um adesivo mal pregado da Betty Boop em roupas de banho olhava para mim de soslaio, me desafiando a contar a verdade.

— Eu não sei. Eu acho que...eu quero ir para casa. Quero voltar para Pedra Sol.

Alguns segundos de silêncio se seguiram até eu escutar as rodinhas de uma cadeira giratória rangerem do outro lado. Don deveria estar trabalhando até tarde.

— Está tudo bem, uma pausa vai te fazer sentir melhor. Se não quiser ficar com o seu pai, pode ficar no Bangalô – ela começou a dizer, adotando o estilo prático dos Esposito de resolver grandes merdas – E bem, o escritório está um inferno nos últimos dias, mas consigo colocar as coisas no eixo até semana que vem.

— Don, eu posso fazer a mudança sozinha.

— Sei que sim, mas vou assim mesmo.

Não rebati. A decisão somada a todo choro tinha exaurido minhas forças. Ficamos no telefone por mais alguns minutos. Senti os movimentos das minhas pernas finalmente voltando. Como uma piada de mau gosto, uma coceirinha surgiu bem em cima da cicatriz do dedão que tentara em vão mexer quando sai da piscina.

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E ai, pessoal! O que acharam do capítulo? 

Acho que o principal questionamento vai ser o por que  da Jade não estar conseguindo andar, ne? Querem saber mesmo?  Pois então arrasta pra...quer dizer leiam os próximos capítulos.

Não deixem de curtir também, isso ajudo muito a conseguir mais alcance. Além disso, não deixem de comentar suas teorias e impressões sobre a história.

Valeu gente, até mais.

Abraços,

Stef

Corpos FlutuantesOnde histórias criam vida. Descubra agora