Estou falando com a minha tatuagem

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Todas as informações daquela noite, fazem minha cabeça doer como uma ressaca duradoura. Não sou o tipo de cara que gosta de "tomar uma", mas, diante dos companheiros, tento sair um pouco da zona de conforto e interagir com a galera. O problema é que não consigo colocar um limite e, na última vez, mergulhei de cabeça na parte mais inconsequente.

Confesso que fiquei mais empolgado por conta do show de Victor e Léo em meio a diversão, do que para tentar me dar bem com uma das garotas solteiras e desesperadas do escritório. Começou com um gole, depois outro, e a turma agitava para ver quem conseguia engolir mais. Acabei acordando jogado no tapete de entrada e com uma dor intensa na minha coxa direita.

Quando finalmente as paredes não estavam girando ao meu redor, meus neurônios encontravam-se me torturando bem menos e já vomitando minhas tripas em uma quantidade absurda para eliminar a intoxicação alcoólica, foi aí que percebi o desenho. Fiquei desesperado, nunca curti esse lance de tatuagens e, quanto mais eu olhava para ela, minha caricatura avermelhada e inchada grudada na minha pele, algumas lembranças vagas retornavam à minha mente.

Depois das primeiras horas, sabia que tinha alguma coisa errada porque estava doendo muito e a reação no meu corpo criou bolhas pequenas. Corri para a clínica mais próxima e fui diagnosticado com uma infecção: a tatuagem foi mal feita, não foram tomados os devidos cuidados e aquela imagem minha, a caricatura com o corpo pequeno e a cabeça grande, ficou esbranquiçada como um fantasma, toda borrada e deformada. O desenho pareceu ter sido criado exclusivamente para ser apenas por conta de uma loucura desenfreada da minha parte, aquele tipo de lembrança que você tenta esconder e fica lhe perseguindo.

Liguei para os meus amigos, irritado, e eles estavam tão desorientados quanto eu. Falaram que abusamos muito e talvez a outra turma tenha misturado alguma coisa com a bebida. Tentei entrar em contato com os organizadores da festa, explicaram-me que viram alguns ciganos acompanhando o movimento e, com certeza, um daqueles carros surrados foi responsável por tatuar uma pessoa embriagada. Isso significa que eu não poderia processar a pessoa, nem o local e teria que lidar com o meu erro, a culpa era somente minha. Para o meu desfavor, ainda precisava esperar que a cicatrização terminasse e passasse mais ou menos um mês após para lidar com uma remoção a laser.

As coisas realmente estavam ficando boas, na minha cabeça. No entanto, quando estava terminando de remover o shampoo dos meus olhos no banho, com aquele vapor espalhando-se por todas as partes e deixando o espelho da pia com seu vidro embaçado, comecei a ouvir alguém cochichando. É claro que imaginei, a princípio, que poderia ser os vizinhos falando alto como de costume. Infelizmente não era esse o caso, a voz era familiar e próxima. O cochicho foi ficando um pouco mais alto até perceber que estava vindo de algum lugar de dentro do ambiente.

Peguei a toalha e limpei o meu rosto. Estou trancado na minha própria casa, não há possibilidade de alguém ter invadido. Apesar de ainda ouvir alguém sussurrando como se estivesse próximo dos meus ouvidos e falando alto o suficiente para apenas nós dois ouvirmos, coloquei em mente que estou trancado em uma caixa de cimento apertada. Não existe nada além da privada, o cesto grande com roupas sujas e a pia no meio do banheiro. Sentei na privada e comecei a controlar a minha respiração. Finalmente estava acalmando os meus ânimos e rindo comigo mesmo, tudo isso era loucura. Porém, as coisas mudaram quando foquei minha atenção na tatuagem molhada e vi sua boca movimentando-se. Minha reação foi sair de dentro do banheiro assustado, isto aterrorizou-me de uma forma estranha, aquilo estava acompanhando-me em todo lugar que eu ia como um gato que recebeu uma pancada na cabeça e viu-se tonto por todos os cômodos desesperado para encontrar uma saída.

Estava tarde da noite, meu coração batendo forte e transpirando todo o suor do meu corpo porque aquela coisa estava viva de alguma forma. Meu coração não parava acompanhando aquilo pronunciando palavras difíceis de compreender. Como de se esperado, não consegui descansar de maneira alguma. Não parava de dar socos na minha própria coxa. Apesar do infortúnio, trancafiado sem nenhum tipo de auxílio em uma madrugada infinita, chegou o momento que eu finalmente caí no sono, já me acostumando com àquela voz de alguma maneira soando ameaçadora. Acordei para ir ao trabalho. Nos primeiros segundos que levantei, tudo parecia ter sido um sonho ruim, por um momento esqueci-me do ocorrido até que a voz ficou mais nítida, e ouvi o que ele estava dizendo.

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