CAPÍTULO 10: Motivações egoístas, Parte 1

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Londres, Inglaterra. 20 de Outubro de 1810.

Com exceção da presença discreta das criadas, a duquesa esteve sozinha nas 22 horas que sucederam o episódio na sala de jantar. Aquilo não a incomodou de imediato; era uma apreciadora nata da própria companhia e resolveu aproveitar o tempo a sós para pôr os pensamentos em ordem.

Não precisou de muito para concluir que cometeu um erro ao aceitar a proposta tentadora do duque. Ainda achava a presença de Celeste desnecessária e desagradável, mas se manter ausente das refeições implicava ceder espaço a ela. Quanto ao posicionamento do duque... Era quase natural que ele tomasse o partido da pupila tendo conhecido-a durante toda a vida, o que não necessariamente queria dizer que Isabelle estava conformada com isso.

Ele é seu marido, sussurrava uma vozinha inconveniente em seus ouvidos. Deveria ter ficado ao seu lado.

Porque essa era a imagem de matrimônio que Isabelle conhecia. Só havia acompanhado dois únicos casamentos de perto e não tinha dúvidas de que ambos os maridos em questão, Edgar e Enrico, teriam priorizado e defendido suas esposas acima de tudo se tivessem sido insultadas como ela foi.

Não que a sua opinião de fato tivesse alguma relevância. Sabia como casamentos funcionavam: a mulher era comumente vista como dona do lar, mas na realidade elas só ocupavam o espaço que fosse previamente permitido pelo marido — aquele era um mundo governado por homens, afinal de contas. E no momento Isabelle não podia estar em maior desvantagem.

Eles tinham trocado algumas farpas, é verdade. O duque disse coisas que ela não gostou de ouvir e ela retribuiu o favor. Acontece que, em algum momento após o fim do dia, Isabelle esperou ser procurada por ele. Não que o quisesse, realmente. Ainda achava as atividades conjugais íntimas demais para dois estranhos e não se sentia muito confortável com a ideia de repetir, entretanto...

Entretanto, ela não gostava de ser tratada com indiferença.

Estava começando a considerar a hipótese de possuir uma pequena inclinação ao egocentrismo. Era a única coisa que explicava se sentir incomodada com a ausência de uma pessoa por quem não se sente nada.

Não sabia dizer quando havia se tornado assim, mas tinha certeza de que fora em algum momento após o seu début. Certamente nenhuma jovem, por mais humilde que fosse, seria capaz de se manter completamente incorruptível depois de ser bajulada por tantos pretendentes. Então era isso: não se tratava do duque, se tratava dela.  De como gostava de receber flores, de passear de braços dados com uma companhia agradável, de ver os rapazes se esforçando para agradá-la — mesmo sabendo que nenhum deles tivesse a real intenção de levá-la ao altar, mesmo sabendo que faziam aquilo unicamente pelo flerte.

Ela tinha ouvido em mais de uma ocasião senhoras comentando que os cortejos acabavam após o matrimônio. Aquilo soava quase como uma blasfêmia, pois não era nada como os casamentos funcionavam em sua família.

Edgar e Aurélie pareciam eternos namorados, tão próximos que era como se fossem duas metades de uma mesma pessoa. Chegava a ser quase irritante, pois quando criança Isabelle se sentia constantemente deixada de lado todas as vezes em que eles faziam programas a sós com o único propósito de desfrutarem mais a vontade um do outro.

Enrico e Stella conseguiam ser ainda piores. Costumavam passar algum tempo a sós após o almoço, quando os criados estavam tirando um descanso e toda a casa ficava silenciosa. Geralmente saíam com as mãos entrelaçadas e sorrisos discretos e cúmplices. Não que Isabelle ficasse bisbilhotando a vida íntima dos tios, mas o quarto dela ficava no mesmo corredor que o deles e ela acabava eventualmente esbarrando com o casal feliz.

Com amor, IsabelleOnde histórias criam vida. Descubra agora