1 • O Marfim Acinzentado

1K 76 10
                                    

O Marfim Acinzentado

"Eu te reconheci à primeira vista
Como se estivéssemos chamando um ao outro
O DNA no meu sangue está me dizendo
Que é você quem eu procuro."

Já eram quase sete da manhã quando um barulho estridente e alto acordou a delicada fada em um susto tão grande que ela se levantou num pulo forçando as pequenas asas a baterem em uma fuga desesperada... mas tudo o que aconteceu foi a moça se estatelar no chão de madeira escura em um baque surdo.

A garota gemeu alto sentindo o joelho arder enquanto tentava entender, ainda com a névoa de sono envolvendo sua mente, o que diabos estava acontecendo, quem ela era e onde estava.

Piscando os olhos levemente para se acostumar com a irritante claridade dourada que invadia sem piedade o quarto pela imensa janela arredondada, ela sentou ainda no chão e limpou com a mão o fio de baba seca que havia sujado seu nevado rosto enquanto fitava o ambiente.

O quarto era pequeno com as paredes bege (eram brancas mas adquiriram tal coloração com os anos) cobertas por prateleiras cheias dos mais diversos itens, variando desde livros de poções insalubres e de resultados duvidosos até potes com flores primaveris em conserva e caixas de tinta perfumada. O teto era todo decorado com desenhos incertos e coloridos que deixavam claro a falta de habilidade para pintura da jovem, e além disso, o cômodo ainda contava com uma cama oval de lençóis feitos de retalhos coloridos, um tapete opaco sujo de tinta azul topázio seca e uma escrivania de madeira repleta de escritas a lápis por baixo da bagunça.

Normalmente um cheiro floral adocicado característico das tintas mágicas dominava o ambiente mas naquela manhã a única coisa que se era possível sentir era o empesteado odor de queimado que fez a fada torcer o nariz e se levantar ainda zonza caminhando até o banheiro do corredor, totalmente despreocupada pois sabia exatamente de onde o forte cheiro e os barulhos incessantes eram provenientes.

Talvez devesse fazer uma higiene decente mas estava com tanto sono e preguiça que se restringiu a lavar precariamente o rosto na pia de pedra escura com plantinhas e musgo em volta, escovar os dentes e ajeitar os cabelos em frente ao grande espelho do banheiro, se encarando por alguns instantes.

Ela era branca. Totalmente mármore com um fundo acinzentado, sem nenhuma característica marcante ou quaisquer cor que pudessem lhe proporcionar o mínimo de diversidade dentro das demais fadas jovens.

A pele de um marfim incolor, os olhos com as íris tão brancas que nem pareciam existir e os cabelos de uma neve clara caindo em ondas até o meio de suas costas.

Nem mesmo suas unhas e pequenas asas sequer eram esbranquiçadas, sendo transparentes e sem graça na visão da garota.

Não se engane, ela não se achava feia, na realidade sabia que era extremamente bonita, apenas que era... comum.

Mas isso não é nenhuma novidade, afinal, toda fada nascia exatamente assim, pura e com a magia extremamente fraca, apenas ganhando a dádiva das cores quando completavam a maioridade e entregavam sua vida em um pacto de servidão e fidelidade eternas para um dos sete demônios supremos, também conhecidos como pecados capitais, recebendo assim poder, magia e proteção fortíssimos ao ponto de a corromper fisicamente e adquirir características físicas da cor regida por seu mestre, uma das sete do arco-íris, além de um nome especialmente escolhido para ela.

E então, terminando de acordar em uma súbita tomada total de consciência, W47 riu sozinha, batendo palmas em um pico de felicidade genuína por lembrar que estava tão perto de finalmente ser colorida.

A parte de que teria que entregar sua alma para um diabo era metodicamente ignorada, visto que ela ficava completamente fascinada com a simples ideia de enfim possuir poder das cores divertidas e não apenas o pálido branco.

𝐒𝐞𝐯𝐞𝐧 𝐒𝐢𝐧𝐬 𝐨𝐟 𝐓𝐡𝐞 𝐑𝐚𝐢𝐧𝐛𝐨𝐰Onde histórias criam vida. Descubra agora