II - "Eds"

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Eddie estava sentado numa ambulância, com um inalador preso ao seu rosto, pensando em quantas doenças diferentes poderia ter contraído apenas naquela manhã.

Talvez agora mesmo ele estivesse com algum vírus não catalogado flutuando por sua corrente sanguínea, ou alguma bactéria nova e bizarra. Na pior das hipóteses, Eddie e seu vírus/bactéria-alienígena milenar (trazido ao planeta pela Coisa milhões de anos atrás) seriam responsáveis por causar uma grande pandemia com milhões de mortes. Também tinha aquele corte grande em seu braço e também outras centenas de cortes mais superficiais, Jesus Cristo, Eddie estava perdido, seriam dezenas de infecções, centenas talvez e...

O raciocínio de Eddie foi interrompido quando Richie largou a sua mão.

Ele nem havia percebido que a mão de Richie ainda estava lá, segurando a sua da maneira mais acolhedora possível, mas no momento em que Richie a soltou, Eddie teve de resistir ao instinto de segurá-la de volta, como se a mão de seu amigo fosse alguma coisa muito importante que ele, sem querer, deixou cair.

Eddie respirou fundo. Ele sabia o que sentia por Richie. Sabia que não era só amizade. Mas Eddie nunca daria o braço a torcer, pois de duas uma: ou Richie caçoaria dele para sempre ou nunca mais falaria com Eddie por nojo.

Eddie respirou fundo no inalador mais uma vez, querendo se livrar daquela maldita asma psicológica tanto quanto queria se livrar de seus sentimentos complexos por Richie. Não era hora de pensar nisso. Eddie estava quebrado, surrado, cortado, traumatizado, e cheio de doenças e infecções. Depois dessa manhã, Eddie precisaria visitar o consultório de, no mínimo, psicólogos, psiquiatras, neurologistas, infectologistas, cardiologistas (ele desconfiava estar prestes a ter uma parada cardíaca agora mesmo), ortopedistas... e alguns outros especialistas dos quais ele não se lembrava o nome agora.

De repente, a ambulância parou. Não estavam no hospital, mas sim em frente à escola de ensino médio de Derry.

Eles saíram da ambulância e entraram no ginásio, onde voluntários andavam de um lado para o outro nos espaços entre as macas, essas que preenchiam a maior parte da área. Os voluntários cuidavam dos desabrigados e dos feridos, além das doações de comida, roupas e brinquedos. Em alguns cantos, pessoas chorando, algumas por parentes ou amigos mortos ou desaparecidos, outras pela perda de imóveis que nem tinham acabado de pagar.

Enquanto Eddie ainda reparava nos arredores, Richie o agarrou pelo pulso e o guiou até a ala improvisada de enfermagem, onde haviam médicos e enfermeiros.

-Com licença. - Disse Richie, chamando a atenção de uma enfermeira.

-Pois não? - Disse a enfermeira, uma senhora que parecia cansada. Ela com certeza estava tendo muito trabalho para uma única manhã.

-Meu amigo precisa de ajuda. - Disse Richie, sinalizando Eddie ali ao lado. - Ele conseguiu ferrar com os dois braços - Richie arregalou os olhos e levantou dois dedos, mostrando o número dois. - Um baita de um desastrado.

Em troca, Eddie beliscou a mão de Richie que segurava seu pulso, fazendo-o soltá-lo.

A enfermeira olhou Eddie de cima a baixo.

-Seu caso não é dos piores, mas pode ficar na fila, logo você será atendido. - Ela encarou Richie. - E o senhor?

Richie pareceu confuso com a pergunta.

-Eu estou bem! Está tudo bem! - Ele sorriu. Richie não estava bem, era mentira, Eddie sabia. Não havia como estar bem depois de viver tudo o que eles viveram. - O desastrado é o Eds mesmo! - Richie falou enquanto bagunçava os cabelos de Eddie com sua mão.

Eddie, com expressão de irritação, abriu a boca para mandar Richie parar de chamá-lo de Eds e tirar a mão de seu cabelo, mas decidiu deixar isso pra depois ao ver Richie remexendo os bolsos da própria calça, provavelmente à procura de um cigarro.

-Bem, Eds, daqui a pouco eu volto. - Disse Richie, encarando o próprio braço como se ali houvesse um relógio. - Você sabe, sou muito ocupado. Sua mãe tá esperando agora, e depois dela já tenho que ir encontrar a sua esposa. - Richie deu de ombros e soltou um sorriso malicioso.

-Vai tomar no seu cu, você bem que tá precisando seu virgem de merda. - Falou Eddie, segurando um sorriso.
Richie arqueou as sobrancelhas, confuso.
-Ah não, eu não. Acho que você não entendeu direito. Eu estou fodendo a sua mãe há mais de 27 anos, hoje quem vai tomar no cu é ela, de novo, só que dessa vez a sua esposa vai também.

Eddie riu e balançou a cabeça para os lados.

-Eu te odeio, sabia?

-Odeia nada, você não consegue! Sou gostoso e engraçado demais pra você conseguir me odiar.

Richie lançou-lhe um sorriso de canto de boca junto de um olhar que fez o coração de Eddie palpitar e um arrepio subir pelo seu corpo.

-Hasta dentro de poco, Eduardo. - Richie falou em espanhol, acenando para Eddie.

A sorte de Eddie era que Richie já estava de costas quando seu rosto, antes ainda pálido pelos acontecimentos daquela manhã, ganhou um pouco de cor. Eddie odiava quando Richie fazia essas coisas, chamando-o de fofo ou insistindo em usar o apelido "Eds". Para Richie talvez fossem apenas brincadeiras bobas, mas para Eddie eram quase flertes. Para Eddie, era como se Richie estivesse com seu coração em mãos, usando-o como objeto de malabarismo e rindo. Eddie não queria deixar Richie saber o que ele sentia pois tinha medo de ele derrubar seu coração com o choque, ou talvez até esmagá-lo de propósito ao invés de apenas parar com o espetáculo.

Mas apesar de tudo, às vezes bastava Richie abrir a boca para Eddie estar disposto a jogar toda a sua vida no lixo por ele. Afinal, ele já quase fez isso, não? No covil da Coisa. Se não fosse por Mike, que o empurrou antes que o Palhaço-aranha pudesse atacá-lo...

Eddie teria morrido por Richie.

E se...? - ReddieOnde histórias criam vida. Descubra agora