V - O que realmente importa

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-Eddie, eu acho que a gente precisa conversar.

Era isso, Richie contaria a Eddie. E teria de ser naquele instante, enquanto ainda tinha coragem. Seria naquele instante ou nunca mais. O problema era que Richie ainda não sabia ao certo o que falar e nem como falar, pois ele tinha medo. Eddie conseguia fazer com Richie uma coisa que ninguém mais conseguia, fazia-o ter medo de falar alguma besteira grande e irreparável demais. Eddie Kaspbrak deixava Richie Tozier sem palavras, ou, pelo menos, o fazia pensar mais do que o normal antes de abrir a boca.

Eddie fechou a porta do ginásio por onde eles entraram, respirando devagar e em silêncio, analisando Richie.

Richie tateou seu bolso à procura de mais um cigarro e de seu último palito de fósforo. Acendeu-o e tragou. Durante aquela primeira tragada, uma infinidade de fatos percorreu mente de Richie: Henry Bowers o chamando de bichinha incontáveis vezes; todos os momentos em que Richie chorou, se sentindo completamente sozinho, pois não havia no mundo ninguém com quem ele realmente pudesse contar; Pennywise, o palhaço filho da puta, se aproveitando da situação e usando os maiores medos de Richie contra ele; a urgência de Richie em usar o humor e as piadas para esconder a realidade; as iniciais dele e de Eddie que, escondido, um Richie mais novo e tão apaixonado quanto agora entalhou ponte do beijo; os flertes que jogava para Eddie em tom de brincadeira, embora a intenção sempre fosse real; Eddie arriscando sua própria vida para salvar Richie no covil da Coisa.

Uma lágrima escorreu pela bochecha de Richie.

-A gente tá vivo - falou Richie, num tom baixo, bem incomum vindo dele, uma infinidade de lágrimas escorria pelo seu rosto.

Richie colocou a mão esquerda por cima dos olhos e baixou a cabeça, querendo evitar que Eddie o visse daquele jeito.

-Puta merda, a gente tá vivo - Richie suspirava e soluçava, lágrimas escorrendo entre seus dedos trêmulos, o cigarro já quase na metade.

A cena de Richie chorando daquela maneira seria assustadora para qualquer um que o conhecesse. Era um choro voraz, uma verdadeira mistura de alívio e pavor. Era até mesmo loucura pensar que uma pessoa tão feliz e animada como Richie pudesse, na verdade, ter uma alma tão triste e desesperada ao ponto de derramar lágrimas tão atrozes.

Aquela cena foi tão incomum para Eddie que pegou-o completamente desprevenido. Eddie verificou os arredores para ver se não havia ninguém por perto, então se aproximou de Richie e o deu um abraço forte. Richie, que ainda chorava, demorou um pouco para entender o que estava acontecendo. Eddie nunca o tinha abraçado. Na verdade Eddie nunca se demonstrava disposto a abraçar ninguém. Eles se abraçaram sim, algumas vezes, mas a ação sempre partia de Richie, nunca de Eddie.

Richie ficou tão chocado com o acontecido que seu choro cessou rapidamente, ele largou o cigarro no chão e retribuiu o abraço de Eddie de forma protetora, como se estivesse disposto a viver todo um inferno por ele. Richie abraçou-o muito e abraçou-o forte, pois o medo de perdê-lo para sempre era grande demais para deixá-lo escapar tão facilmente de seus braços. Eles ficaram assim por vários segundos, tão próximos um do outro que Richie não demorou a perceber que seu coração não era o único prestes a sair do peito, o coração de Eddie também batia descompassadamente contra o peito de Richie.

Eddie sempre foi uma pessoa com dificuldades no quesito demonstração de sentimentos, embora também estivesse longe de ser uma pessoa fria (Eddie corava fácil, Richie achava isso fofo e desde sempre adorava provocá-lo só para vê-lo vermelho). Porém, a falta de demonstração de Eddie se juntava a inúmeros outros fatores maiores (como a homofobia, por exemplo), fazendo Richie ter medo de se declarar de forma séria e acabar assustando-o. Mas Richie estava ficando sem tempo, já haviam se passado quase trinta anos, ou ele tomaria alguma atitude logo ou morreria calado.

E se...? - ReddieOnde histórias criam vida. Descubra agora