I - De volta à superfície

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Richie foi o primeiro a sair dos túneis de esgoto, se arrastando desesperadamente pelo primeiro buraco de luz que viu pela frente após rastejar junto de seus amigos por horas naquele local úmido, apertado e fedorento.

-Pessoal... - disse Richie rindo alto. - Vocês tem que ver isso!

Richie havia emergido em meio ao centro de Derry, o buraco pelo qual havia saído antes era nada mais nada menos do que a rua Main, agora completamente destruída e com enormes pedaços de asfalto afundados em um e outro canto, dando origem a buracos que ligavam a rua principal diretamente às linhas de esgoto de Derry.

A cidade fora completamente destruída pela água, o alagamento de 27 anos atrás não era nada comparado àquilo. A marquise do cinema estava inteira estirada no chão, rodopiando num rodamoinho ao longe, haviam carros espalhados de forma irregular pelas ruas e calçadas (como se tivessem sido arrastados pela água até lugares completamente aleatórios) e os barulhos das diferentes sirenes da polícia, ambulância e corpo de bombeiros soavam por toda a cidade.

Eddie estava prestes a sair do túnel, Richie deu a mão para ajudá-lo.

-Uau... - Disse Eddie, com dificuldade, ao olhar para os lados. Ele estava quase começando a ter um ataque de asma e estava sem sua bombinha, Richie sabia, por isso se atentou a procurar por uma ambulância ou qualquer outra coisa que pudesse ajudar.

Derry parecia ter sido quase que completamente destruída pela tempestade daquela manhã e o que ainda estava em pé parecia prestes a afundar: prédios, casas e lojas caindo aos pedaços, árvores e postes deitados ou prestes a despencar e (Richie não pôde ter certeza absoluta por conta de seu óculos trincado) até a caixa d'água da cidade parecia não estar no lugar ao qual pertencia.

Aos poucos, todos os otários restantes saíram do buraco, um após o outro, encarando perplexos a situação de fora dos esgotos.

-E-eu acho que não é m-mal sinal. - Disse Bill. - S-se Derry e-era mesmo o campo de a-a-abate da Coisa, controlado p-por ela todo esse tempo, e-então...

-Então essa é a maior prova de que a Coisa está morta. - completou Beverly, com um olhar gélido, porém aliviado.

Agora a escuridão da tempestade sumia e o azul do céu começava a aparecer. Os otários respiraram fundo. O choque dos acontecimentos recentes ainda estava preservado dentro deles, tanto que nenhum dos seis sabia dizer se estava realmente vivo. Talvez todos estivessem mortos e só não perceberam ainda e talvez seus fantasmas apenas resolveram viver ali para sempre, em Derry. Talvez a própria Coisa quisesse isso, só para aterrorizá-los pela eternidade por terem ousado um dia desafiá-la. Mas todo esse achismo de morte mudou assim que...

-ALI! - gritou uma velha senhora atrás de fitas amarelas de "não ultrapasse", ela apontava para os seis que parados em choque em meio à rua prestes a desabar. - TEM PESSOAS ALI!

Ben ouviu alguns murmúrios na multidão logo após o grito da senhora: "loucos", "fugitivos do hospício", "talvez drogados", "suicidas, ou bateram com a cabeça", "ninguém são ficaria aí".

Na mesma hora, Richie avistou uma ambulância ali perto. Os paramédicos fechavando as portas e se preparando para partir.

-EI!! EEEI! - Richie gritou, correndo em direção à ambulância, sua mão segurando a de Eddie é arrastando-o com ele. - Esperem! Por favor!

Richie estava ofegante, de pé em frente à ambulância.

-A gente precisa entrar.

-Desculpe senhor, mas estamos sem espaço aqui dentro.

O paramédico voltou a fechar a porta, mas Richie segurou-a, impedindo-o.

-Senhor, por favor! Meu amigo tem asma! - Richie olhou para Eddie, que estava encarando a mão de Richie segurando a sua, mas isso não importava agora uma vez que Eddie estava em meio a uma crise de asma. Não que ele tivesse realmente asma, mas sua mãe o fez achar que tinha, e isso era o suficiente para ele sentir uma enorme falta de ar periodicamente, o que tornava o perigo quase o mesmo.

O paramédico observou Eddie em seu estado atual: braço machucado (provavelmente quebrado) ajeitado numa tala bem improvisada, vários arranhões pelo corpo, um corte provavelmente fundo amarrado com um pano esfarrapado, um ataque de asma... o homem fez um sinal com a cabeça para que eles entrassem, o estado de Eddie foi o suficiente para convencê-lo.

Pouco antes do paramédico fechar a porta, Richie olhou para o lado de fora da ambulância querendo ter a certeza de que os outros também estavam bem, ficando feliz ao perceber que todos recebiam cobertores e assistência dos moradores de Derry por detrás da fita amarela.

Eddie agora tinha um inalador preso à seu rosto e, sentado ao seu lado, Richie inconscientemente ainda segurava a sua mão.

Richie respirou fundo e olhou para o lado, encarando o braço de Eddie que não estava quebrado. Um corte fundo sangrava por volta de um palmo abaixo do ombro de Eddie, Richie havia rasgado um pedaço de sua própria camisa e amarrado em volta do corte numa tentativa de estancar o sangramento, o que não adiantou muito, o pano já estava encharcado.

Aquela aranha maldita teria arrancado o braço inteiro de Eddie fora se Mike não chegasse a tempo para salvá-lo, Eddie poderia ter morrido por perda de sangue. Os olhos de Richie se encheram de lágrimas e seu corpo ficou completamente arrepiado ao pensar no que poderia ter acontecido se Mike por algum motivo não estivesse no covil da Coisa junto dos demais Otários.

Richie levou seu olhar vagarosamente do pano encharcado de sangue até a mão de Eddie e, somente então, percebeu que ainda segurava-a.

Richie se arrepiou. Como num instinto, ele largou a mão de Eddie e então fechou os olhos e suspirou. Mesmo depois de 27 anos tudo ainda estava igual: palhaço assassino, mortes, sangue, disfarçar-as-minhas-dores-emocionais-com-humor-e-fingir-ser-hétero-e-não-estar-apaixonado-pelo-meu-melhor-amigo. Está vendo? Tudo igual, só que agora com um pouco mais de barba, pelos e rugas.

Algumas coisas realmente nunca mudam.

E se...? - ReddieOnde histórias criam vida. Descubra agora