capítulo onze.

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"fala tudo que você quiser
deixa eu entender você
quero te escutar"
carvoeiro - anavitória

William não sabia quantas horas tinham se passado após sair da consulta com a psicóloga. A cada sessão que acontecia, ele ficava mais confortável ao compartilhar sentimentos e  dores, mas a de hoje foi um tanto quanto... assustadora. William já sabia que algum dia ela chegaria, mas não gostou quando chegou. Ele se sentia estranho, diferente. Se perguntava se outras pessoas, ao receberem diagnósticos parecidos, se sentiam dessa forma também. Tocava em sua própria pele e buscava se sentir alguém. Mas seu mundo, no momento, estava girando incerto, confuso demais.

No momento em que entrou no carro e pôs o olhar nos olhos de Isabelle, a mulher percebeu que tinha sido uma sessão complicada. Não disse nada, só direcionou sua mão ao ombro do garoto e acariciou o local devagarinho, o que foi o suficiente para William externar:

— Fui diagnosticado, Belle. Sofro de ansiedade.

Isabelle suspirou fundo.

— Eu também, Wil. Como você está se sentindo?

— Agora eu entendi porque sinto dor na mente, no peito e às vezes é difícil respirar. Agora entendi os motivos de meus pensamentos serem tão pessimistas e porquê sinto que não sou merecedor do cuidado de ninguém. Entendi minhas vontades súbitas de ficar sozinho, de esperar demais para que algo ruim aconteça mesmo em um dia bom, entendi até mesmo porque peço desculpas demais. Agora sei porque fico remoendo situações e pensando se fiz algo de errado na frente das pessoas, agora sei porque não durmo à noite. Mas, se sei tudo isso, por que ainda assim me sinto a pior pessoa do mundo? Por que sinto que ter ansiedade é culpa minha? Por que, Belle?

— Porquê entender as coisas não é sinônimo de internalizá-las, Wil. Você ainda está assustado e confuso.... Mas olha, nem quando esses sentimentos passarem você vai saber as respostas dessas perguntas. Porque isso é exatamente o que a ansiedade faz com a gente. Nos sentimos culpados por tudo que existe no mundo, mesmo que, no fundo, tenhamos consciência de que não é bem assim.

William abaixou o olhar e ficou brincando com a ponta de seu casaco, puxando de um lado para o outro, tentando não chorar. Isabelle, ao perceber, direcionou a mão, que estava no ombro dele, para o cabelo e começou a fazer carinho devagar, utilizando apenas as pontas dos dedos, continuando:

— A ansiedade não é o fim do mundo, meu amor. Mas também não é um conto de fadas. Às vezes você vai se sentir dramático, vai querer arrancar à força todos os sentimentos feios e mentirosos que pulsam no coração, vai querer chorar desesperadamente, vai mentir quando alguém perguntar como você está porque, simplesmente, você não vai se sentir confortável ao responder que sua mente fez diversos nós e que ainda não sabe como deixar todos lineares de novo. Mas passa. E com o tratamento correto, com pessoas especiais ao lado, com você ansiando sua melhora... vai chegar um dia que você vai quase conseguir pegar alguns sentimentos na mão, amassá-los com força e jogar todos no primeiro lixo que você enxergar. Eu confio em você, tá bom? Confio em você. — Ela sussurrou as últimas palavras.

William queria responder, queria agradecer, queria abraçar aquela mulher que só sabia falar coisas boas o tempo inteiro, mas ele não conseguia, então quase suspirou aliviado quando ela, de novo, voltou a falar:

— Sabe, Wil, a lua é uma das coisas que mais amo no mundo. A sensação de que ela me dá, como se ela não fosse o oposto do dia, e sim só o seu lado privativo, é o que mais me faz admirá-la. A lua é o lado escondido do sol, aquele que guarda muitos medos e segredos de inúmeras pessoas mas que, ainda sim, brilha. Ainda sim há luz. A ansiedade não muda e nunca vai mudar o que você é, ela nunca vai conseguir arrancar a luz que você tem. — William se isentou mais uma vez das palavras, mas buscou a mão de Isabelle e apertou forte. — Eu engravidei muito cedo, Wil. Tive o Harry com 18 anos e fui muito julgada. Não tenho familiares porque todos me deixaram, então eu tive que aprender sozinha com a vida. Tive que aprender a criar um filho do 0, tive que me matar de estudar para entrar em uma faculdade pública porque eu não tinha dinheiro. Vivi quase a minha gravidez toda de doação e auxílio de alguns amigos. Os primeiros cinco anos do Harry também foram de doações e ajuda dos meus amigos. Eu tenho cidadania europeia, meus genitores são londrinos, mas não poderia ir para um lugar totalmente diferente do que eu estava acostumada, sem ninguém para me apoiar. Aqui eu tinha amigos. Pessoas que me seguraram quando eu já estava prestes a cair das montanhas. E por muito tempo me viram como esse lado privativo da lua. O lado escuro, o lado difícil de conhecer e de entrar. Mas eu era assim porque me fechei muito para o mundo, no anseio de me salvar e salvar meu filho, e porque a ansiedade me atacou, me fez achar que eu merecia tudo o que estava passando. E você não tem noção de quantas vezes eu chorei por ser vista como a lua. Eu queria ser vista como o sol, eu queria SER o sol. Queria ser a pessoa de antes, a adolescente alegre que sempre fui, mas que foi arrancada da magia cedo demais. E foi nesse momento que eu descobri que a lua também brilhava e que não havia nenhum problema nisso, a terapia que me ajudou. Nossos problemas não são iguais, nossos medos não são os mesmos, mas eu sou a lua, você é a lua e nós brilhamos.

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⏰ Última atualização: Sep 03, 2022 ⏰

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