A nave lembra muito a dos humanos.
Os aposentos são gelados, com uma iluminação azul fraca e sem janelas. O sentimento de claustrofobia é indiscutível. As paredes são curvadas, impossibilitando qualquer tipo de escalada.
Donald Husk e Pierre D'Nouveau são mantidos sozinhos e isolados naquela sala por várias horas. Não conversam quase nada. O sargento entende a escolha do tenente-coronel, mas não consegue apoiá-la. Em uma hora como aquela é necessário emoção, não razão. Por mais estranho que isso soe na cabeça de Husk.
Agora serão usados como exemplo.
Ficam ali por mais duas horas após a nave pousar. Husk se pergunta se serão decapitados, queimados ou até desintegrados. Cogita a possibilidade dos extraterrestres retirarem suas peles e apenas observarem enquanto os líderes humanos agonizam. Até que, enfim, são retirados dos aposentos por quatro peões. Os invasores colocam máscaras – iguais ao do guerreiro diplomata – nos rostos dos prisioneiros. A respiração fica mais difícil, mas não é o suficiente para matá-los.
Donald Husk não merece morrer como um prisioneiro. Foi um soldado competente a vida inteira, merece uma morte honrada, nos campos de batalha. Talvez os extraterrestres reconheçam isso e o darão uma morte aceitável, ou talvez não.
Donald Husk e Pierre D'Nouveau não podem fazer nada além de seguir os guardas que os escoltam por passarelas cobertas, estreitas, longas. As portas que passam são pressurizadas em seus respectivos portais – assim como na Spectro-6 –, os soldados dizem códigos em línguas incompreensíveis para painéis. Então as portas abrem e o grupo prossegue.
Seguem essa repetição quatro vezes até chegarem em um salão enorme. Uma cúpula transparente. Husk olha de cima a baixo, de um lado a outro e vê estrelas, milhares delas.
Ainda estamos no espaço.
A cúpula está repleta de guerreiros, todos de espadas guardadas, e soldados sem capacetes, abrindo alas para o pequeno grupo que escolta os humanos até um extraterrestre masculino trajando vestimentas leves, compostas de tecidos negros.
Do meio da audiência aproxima-se dos humanos o guerreiro diplomata de antes. Ele explica que o extraterrestre de vestes pretas é o imperador.
A maldita abelha rainha.
— O Império Eterno agraça sua presença! – sua voz soa parecida com a do diplomata. Robótica. Desuniforme. Alta. — Humanos. Frágeis. Despreparados. Nós viemos para ensiná-los! – O imperador ergue seu punho direito, fechado. Todos os extraterrestres berram algo em sua língua bizarra. — Dar-lhes conhecimento, cultura e ordem.
Escravizar. Era isso que Husk entendia.
— Somos mais fortes, mais ágeis, mais inteligentes, melhores! Temos o direito de dominar. Dominar para ensiná-los. Para juntos desvendarmos os mistérios dessa galáxia. Para chegarmos onde não há luz!
"Luk Vikta Penz Itnor" no segundo berro Husk conseguiu discernir o que diziam, mas nem de perto compreendia o significado.
— Lindas palavras para um maldito ditador. – Donald Husk debocha.
Husk sente uma pressão no estômago. Uma dor lancinante faz com que se curve. O diplomata repousa a mão sobre sua espada após dar-lhe o soco.
— Ele não é um ditador, Husk. É um imperador. – Diz Pierre D'Nouveau enquanto olha profundamente para os olhos de Husk, que ainda apalpando o estômago, volta a ficar ereto.
O que raios está pensando, engomadinho?
Pierre D'Nouveau está com um olhar perdido, não falava há horas, e agora que abre a maldita boca, defende o inimigo.
O que diabos está pensando, moleque?
— Eu vos ofereço paz. – Novamente a voz do Imperador. — Ajoelhem-se perante seu soberano e jurem lealdade a Dinastia Imperial Eterna e suas mortes serão postergadas para depois da guerra.
— Obedeça, Husk.
O tenente-coronel Pierre D'Nouveau lentamente se abaixa. Joelhos no chão, cabeça curvada.
Eu sabia.
É um traidor.
Sempre foi.
— Vida longa à resistência. – Donald Husk fala firme. Da mais funda profundeza de sua garganta, ele arrasta um catarro e o regurgita no rosto prostrado do tenente covarde e desonrado. Ele olha fundo nos olhos do Imperador – aquele velho decrépito – e diz, em alto e bom som, sem pestanejar — Vá se foder.
O Imperador olha com desgosto enquanto o tórax do sargento é perfurado pela lâmina fervente do diplomata.
Calor...
Esse é o único adjetivo que Husk conseguia pensar para descrever o que sentia ao ser executado. Pelas costas. Como um traidor.
Donald Husk colapsa ao chão após a lâmina ser retirada.
Suas pálpebras param de se mexer.
Seu paladar perde o gosto,
Seu olfato, o odor.
O sargento Separatista cai no chão enquanto escuta o Imperador, como se nada houvesse acontecido, continuar seu discurso.
— Você, comandante, será nosso representante.
Husk não sente suas pernas.
— Conversará com os humanos...
Não sente seus braços.
— Lutará ao lado deles...
Não consegue respirar.
— E garantirá a eles que a Dinastia não deseja o fim...
Apenas ver e ouvir.
— Mas sim desenvolver o começo.
Não houve sangue. Não há honra. Nem dignidade.
Mas Donald Husk Martin teve colhões.
E é isso que importa.
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'FORBIDDEN' - CONTO DE FICÇÃO CIENTÍFICA
Science FictionUm conto de ópera espacial militar. Na virada dos anos 3000, a totalidade do sistema solar se uniu para concluir seu conflito mais duradouro - 'A Guerra Separatista' - já que um ataque alienígena se beneficiou da condição enfraquecida das principais...