Haunted by a ghost of you

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O respirar parecia inexistente dentro daquela sala. Era uma mistura de sentimentos incompreensíveis que me deixavam levemente tonta ao andar de um lado para o outro em busca de concentração do que estava lecionando. A ansiedade é o pior inimigo de qualquer pessoa, naquele momento parecia que eu estava ficando louca, tudo me fazia pensar nela, até mesmo a brisa que beijava meu rosto me fazia pensar no toque dela.

Faziam exatamente cinco dias que eu não tinha notícias nenhuma de Camila, o desespero era tremendo, as inseguranças me rondavam todas as noites, prontas para me levar a loucura em qualquer mínimo deslize. Não podia me entregar as paranóias de uma noite confusa, mas era inevitável não me sentir dessa forma, meu peito estava a mil, era como se tudo fosse uma imensidão de questionamentos, e eu uma mera humana sem conseguir achar as respostas para tudo. Forcei meus olhos para arranjar concentração, minhas pernas não pareciam ter firmeza onde estavam pisando, então eu apenas deslizava de um lado para o outro na tentativa de trazer minha mente novamente para o lugar onde eu estava. Minha boca estava seca, meus lábios grudavam uns aos outros na busca de lubrificação, minha garganta arranhava enquanto eu lia Parmênides para o primeiro ano do ensino médio, apesar de a minha aula ser a mais esperada pelos alunos, naquele dia nem mesmo eles estavam conseguindo prestar atenção por tamanho desconforto da minha parte.

— Professora? — uma aluna levantou a mão quando meu olhar se direcionou a ela. Todos pareciam preocupados naquela hora, mas eu não dei muita bola.

— Sim? — falei colocando o livro sobre minha mesa e suspirando pesadamente.

— Posso ir ao banheiro? — me limitei a um curto aceno com a cabeça e a observei levantar e caminhar em direção a porta.

— Alguma dúvida? — perguntei deslizando meus olhos sobre os alunos, esperando alguma interação, mas não sabia se eles realmente estavam entendendo naquele dia, as palavras estavam confusas para mim, eu estava vivendo em automático e fazendo minha rotina como um robô. — Já que ninguém falou nada, eu irei continuar a leitura. Qualquer dúvida, não exitem.

— Você está se sentindo bem hoje, professora? — olhei em direção a morena sentada na primeira mesa em frente a minha mesa.

— Sim, estou apenas com um pouco de dor de cabeça. — sorri para ela, observando sua cabeça balançar em um sinal de entendimento curto.

Abaixei a cabeça em direção ao livro e por dois segundos minha vista ficou levemente embaçada, me obrigando a piscar um pouco rápido para que tudo voltasse a focar completamente. Puxei o ar para meus pulmões com força sentindo meu coração espancar meu peito dentro de meu tórax, estava tendo uma crise ansiosa, sabia disso, mas preferia ignorar, não podia ir para casa, então mesmo com todos os sinais de que eu estava passando mal, continuei lendo as palavras escritas ao papel.

O restante do dia se passou naquele mesmo esquema, mal conseguia pensar direito quando estava na última aula do dia, normalmente amava trabalhar, mas naquele momento eu estava ansiando pelo fim, precisava da minha casa, precisava de silêncio e de estar só para poder me reorganizar. Quando abri a porta de meu carro e me enfiei lá dentro, um silêncio absurdo emergiu o ambiente e, mais uma vez, eu fui inundada pelos questionamentos que me atormentavam desde nosso último encontro. Meus dedos mergulharam por dentro de minha bolsa com presa, revirando os livros e cadernos sem cuidado algum em busca do aparelho perdido em algum canto. Assim que meus dedos acharam o celular, puxei com certa pressa, minhas mãos estavam trêmulas quando apertei o botão para iluminar a tela.

Nada.

Absolutamente nenhuma mensagem.

— Droga, Camila! — xinguei jogando o celular para o banco do passageiro enquanto me inclinava sobre o volante. Apertei as mãos com tanta força sobre ele que poderiam ser vistas as marcas de minhas unhas marcadas. — Onde você se enfiou? — diversos pensamentos tomavam conta de minha mente. Eram mais de mil possibilidades e a que fazia mais sentido, era a pior para mim; ela estava me ignorando de propósito.

Meus olhos marejaram por alguns segundos, minha garganta ardeu, meu estômago embrulhou-se no exato momento em que meu coração parecia espancar minha caixa torácica. Era um misto de medo, ansiedade e nervosismo. De repente, me senti uma adolescente, sofrendo por seu primeiro amor. Não havia sentido em tamanho desespero da minha parte, não tinha porquê disso, já não tinha mais quinze anos, mas parecia como se eu nunca tivesse sido tão vista como Camila me enxergou. A sensação de estar brilhando diante de alguém que te influencia, torna tudo ainda melhor. O gosto de amor que tem os lábios dela, me fazem crer em uma necessidade falsa de estar querendo aquele sabor para o resto de minha vida.

— Eu não posso me permitir sofrer por isso. Eu nem sei o que aconteceu e mesmo assim estou sentindo que sou eu? Não! Eu não posso. — puxei o ar para dentro de meus pulmões, erguendo meu rosto. Minhas bochechas estavam queimando pelas lágrimas molhando minha pele, mas não hesitei em passar o dedo sobre elas e soltar o ar de uma vez só, sentindo meus pulmões aliviados pela falta de pressão.

Eu sabia que era apenas uma confiança momentânea. Eu iria desabar na primeira oportunidade. Tentava a todo percusso em direção a minha casa manter meus olhos completamente ativos a qualquer movimentação, analisando as cores dos carros, cinza, cinza-escuro, preto, vermelho, ocasionalmente surgia um amarelo. Cores diversas, mas sem vida, sem brilho. Volte e meia as lágrimas procuravam espaço em meio a minha visão, a sensação de peso me sufocava ao ponto de não sentir mais nada que não fosse angústia, eu não podia ir para casa, não queria.

A noite já tomava posse das estradas quando meu caminho já não me levava mais em direção a minha casa, o vento beijava meu rosto como eu queria beijar Camila, a todo momento e com leveza. Minha boca secou por alguns segundos ao que meu carro estacionou sobre uma casa noturna qualquer em Miami, empurrei a porta assim que desliguei o motor do carro, o som de meus coturnos batendo contra as minusculas pedras no chão me causavam gastura. Sentia meu coração em uma batalha interna contra meus ossos, eu poderia facilmente dizer que ele estava tentando sair de dentro de meu corpo em busca de um alívio enquanto minhas pernas guiavam meu caminho para o interior não-tão-cheio-assim do lugar; tinha cheiro de bebida misturada com cravo, estava bem cheio para uma quarta-feira, não imaginava qual ponto de Miami não estivesse cheio todos os dias da semana, mas como não possuía o hábito de visitar bares e casas noturnas, também não pensava que estaria tão movimentado. Empurrei alguns corpos levemente que me impediam de chegar até o bar, ouvindo murmúrios em desaprovação durante o caminho, mas não estava ligando.

— Boa noite, me vê uma dose do seu whisky mais forte. — pedi para o homem de mais ou menos um metro e noventa do outro lado do balcão que me encarou com as sobrancelhas arqueadas em sinal de surpresa. — Por favor. — falei assim que ele não havia se movimentado desde que me viu, o que me fez revirar os olhos e voltar meu olhar ao povo que se espalhava pelo decorrer do lugar.



Eu diria que quando crianças, nossos métodos de resolver situações angustiantes é mais sensato que quando adultos, mas, porque crianças são crianças, no momento em que seu coração acelerar pela morte do Mufasa e seus olhos marejarem em desespero e dor, você vai correr em busca de abrigo, afeto, mãos para te consolar e te manter calmo. Adultos tem poucos recursos, principalmente se você não é aceito no lugar onde deveria ser seu lar. Chorar parece fraqueza, quem somos nós para chorar pela dor? Um clube repleto de pessoas, você nunca vai saber o porquê estão ali, se estão com o coração partido, se estão comemorando uma promoção, se estão apenas fugindo da vida real. Adultos são solitários e procuram companhia em álcool, drogas e sexo casual. Infelizmente eu era um desses adultos.

Aos poucos, parte da minha visão era substituída por vultos claros em meio a escuridão, minha boca estava seca, haviam milhares de silhuetas se movimentando de acordo com a batida do lugar, algumas mais interessantes que outras. Soltei um longo suspiro ao perceber que o ar já não entrava mais em meus pulmões com facilidade, a bebida já estava em meu organismo e eu me encontrava em uma situação completamente vulnerável, mas mantendo a postura em meio a multidão enquanto deixava o meu corpo dançar entre as outras pessoas, minhas mãos deslizavam pela camisa social em meu corpo, subindo um pouco sem me importar com o que mostraria até agarrar meu cabelo, deixando a música possuir meus sentidos. Eu queria ela. Minha mente ansiava por ela tanto quanto meu corpo. Estava quente, desejando algo que não fosse apenas as minhas digitais, já não lembrava mais o sabor da tristeza que habitava meus lábios a alguns minutos atrás.

O ambiente ficava cada vez mais quente uma vez que os meus pés não descansavam sobre a pista, tudo parecia uma grande fantasia em meio a batidas soltas e sem sincronia, eram apenas eu, eles e as minhas frustrações que se esvaiam pelo chão cada vez que o meu quadril se movimentava, parecia estar flutuando em vista do álcool em meu organismo. Poderia facilmente dizer que a minha vida parecia um filme naquele momento, tudo parecia extremamente lento, como se eu estivesse em slow motion e o mundo estivesse aos meus pés. Talvez estivesse. Talvez naquele momento o mundo fosse uma metáfora e tudo, absolutamente tudo, fosse uma completa incógnita cheia de poréns e eu simplesmente não precisava de respostas, nem gostaria de saber delas. Não tinha Camila, não tinha sumiço, não tinha choro, não tinha angústia. Estava me abstendo das minhas dores por momentos rasos, sentia-me inconsequente no fundo, mas naquele momento, o mundo estava em silêncio e eu estava dançando nas minhas frustrações sem me importar se haveria um amanhã. Eu simplesmente não me importava com o amanhã.

E essa foi uma das decisões mais burras que eu tomei. De novo.

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