Maybe

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Talvez.

    Talvez, se o mundo não fosse tão cruel, meu corpo ainda seria meu. Talvez se eu não tivesse subido encima do banco de uma bicicleta, meus joelhos não tivessem tantas marcas como hoje, talvez se eu chorasse mais um pouco e gritasse mais alto, meus pais não estivessem longes um do outro, talvez talvez talvez.

Entre tantos "Talvez" ficamos inertes das possibilidades e da maior parte das coisas que já nos aconteceram. Cair me ensinou a levantar, chorar me ensinou a sorrir, e a coragem de enfrentar certos medos, me fez crescer. Eu me arrependo de não ter sido mais esperta, mas não me arrependo de cair nesse mundo de cabeça, eu estou de pé, machucada, mas estou de pé.

Eu queria muito não ter essa vida que tenho e que todos odeiam saber, mas foi isso que eu quis, então é isso que eu tenho agora. Suspirei enquanto carregava mais caixas para o sótão de uma papelaria, eu havia iniciado meu trabalho aqui a cerca de quatro meses, e quanto mais eu trabalhava, menos dinheiro eu tinha. Coloquei a caixa sobre o chão, minhas costas ardiam de dor por subir e descer escadas o dia todo e carregando pesos que provavelmente não são qualificados para minha altura. Me escorei sobre a parede com a respiração ofegante, minha garganta estava muito seca, então, em uma das minhas tentativas de engolir a saliva seca que se formou em minha boca, senti toda a passagem arder, fechei meus olhos enquanto segurava a barra de meu avental azul o levando até minha testa retirando o excesso de suor, meus cabelos estavam presos a um rabo de cavalo firme ao alto de minha cabeça e eu sentia meus fios capilares implorarem por liberdade, respirei fundo tentando capturar o máximo de ar que eu podia enquanto meus olhos procuravam pelo relógio de parede.

6:30pm

   Um suspiro aliviado saiu de meus lábios sabendo que em alguns minutos seria liberada, então continuei sentada um pouco sentindo meus pés pulsarem sobre a sapatilha que antes era folgada em meus pés, comecei a bater sobre meus jeans a procura do famoso saquinho com pó branco e meus cartões, quando estava prestes a retirar, uma figura feminina entrou ali, escondi tudo em meus bolsos novamente e olhei para a mulher negra em minha frente.

- Está cansada?


   Sua voz inundou meus ouvidos enquanto eu concordava com a cabeça, minha respiração estava mais controlada quando meus olhos encararam o chocolate que era os seus, sua pele negra me causava suspiros e seus cabelos cheios e vivos me faziam vibrar, ela era uma mulher desejável, mas independente de tudo, ela era minha amiga, e talvez a única que estivesse do meu lado sem que quisesse sexo ou drogas.

- Eu estou morta, minhas costas parece que vão se abrir no meio, tipo... Eu não lembro o nome do filme mas saía umas asas das costas dele e rasgava tudo. Será que eu sou uma borboleta em fase de metamorfose?

Normani fez uma careta

- Aparentemente, não.

Fiz um beicinho

- Sinto pena dos seus filhos.- ela fez uma cara de tédio- Enfim, você quer ir lá em casa hoje? Eu estava pensando em fazer macarronada e depois ver uns filmes de romance

  Falei em um tom manhoso enquanto encarava a negra com um olhar de súplica, ela diria não até eu fazer o beicinho.

- Eu não tenho escolha... Você não ia sair com a mulher do café?

- Hoje é quinta, ela tinha aula até mais tarde. Eu pensei em levar ela para algum lugar mas ficaria muito corrido e eu não estou no clima "pra" coisas corridas, nunca fiz o tipo atleta, sabe?

- Certo, agora levanta esse rabo daí e vamos continuar que falta

Esperei que Normani saísse e segurei o pacotinho em mãos novamente, eu queria fazer aquilo, mas se ela soubesse, iria fazer um alarme enorme em relação a isso, então apenas guardei em meu bolso traseiro do jeans escuros e me levantei voltando a levar caixas. Meu telefone apitou em meu bolso enquanto eu colocava a última caixa no chão, minhas costas gritavam por afago enquanto minhas pernas tremiam, eu nem sabia o porquê estava trabalhando ali, talvez me mantendo ocupada ao invés de me drogando. Suspirei enquanto me encostava sobre a parede, levei minha mão até a traseira de minha calça, peguei meu celular, apertei um botão vendo seu visor, e o nome "Garota do Café" estampado junto.

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