O Bruxo

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Dominic Eglington rabiscou distraidamente em seu bloco de desenho, enquanto olhava pela janela do jatinho particular do Centro de Ritual que o levaria para São Paulo. Apesar da visão reduzida, era possível ver a beleza e magia de Florença e se lembrar de como ele amava a cidade antiga. Pena que não poderia descer e explorar, talvez visitar um museu ou pintar alguma paisagem espetacular do campo toscano ou uma das igrejas e palazzos antigos. Se pudesse passar a noite, Dominic encontraria o melhor restaurante e degustaria o vinho mais caro com a comida mais saborosa que Florença poderia oferecer. E ele poderia jantar sozinho, mas com certeza Dominic não terminaria a sua noite só. O pensamento de uma linda morena italiana em sua cama o fez suspirar de prazer e, mais uma vez, lamentar as mudanças que o e-mail de convocação causaria em sua vida.

Não haveria mais morenas ou loiras ou ruivas para ele. A partir de agora, Dominic teria que se contentar com uma única mulher em sua cama, Valentina. Pensar em seu nome causava um aquecimento gostoso em seu coração e seu corpo reagia positivamente à ideia de se encontrar com sua companheira. Isso acontecia porque Dominic era um tolo romântico e, como qualquer outro ser vivo na Terra, ele se sentia feliz em ter sua alma gêmea em sua vida. Afinal, como alguém poderia não se sentir animado com a ideia de estar com o ser que a magia criara especialmente para si?

Racionalmente falando, sua companheira não poderia ter chegado em pior hora. Claro que alguém lhe perguntaria: "Ei, mas você fez o ritual e se cadastrou, portanto sabia que poderia receber a convocação a qualquer momento, certo?" "Sim", Dominic seria obrigado a responder. Mas a verdade completa era que, quando ele fez o ritual, Dominic era um jovem, tolo e ainda mais romântico bruxo de 60 anos, que tinha terminado uma relação amorosa desastrosa e estava tão ferido que, em um impulso, decidiu que encontrar a sua companheira seria a solução.

A decepção de saber que sua companheira ainda não estava viva na Terra foi logo acompanhada pelo alívio, pois Dominic percebeu o seu erro e que não estava pronto para ser companheiro de ninguém. Depois disso, ele mergulhou em seu trabalho, dedicando-se integralmente às artes e em promover as suas criações. Ao mesmo tempo, não mais interessado em relações sérias, Dominic se lançou em encontros sexuais mutuamente satisfatórios com diversas mulheres em todo e qualquer lugar a que seu trabalho o levasse. Alguns diriam que ele se tornou um mulherengo, mas a verdade é que Dominic sabia que, a qualquer momento, sua companheira poderia nascer e, então, ele não poderia mais desfrutar da vida de um homem solteiro, bonito, rico e famoso. Além disso, depois de sua relação com Davina ter-lhe deixado com tantas cicatrizes, Dominic queria apenas esquecer e curtir o momento, sem compromisso ou sentimentos. E ser um mulherengo não queria dizer ser um cafajeste, Dominic era claro com as mulheres com quem se relacionava: eles teriam alguns momentos de prazer intenso e mais nada.

Quase 70 anos se passaram desde aquele impulso tolo de realizar o ritual de companheiro e Dominic se esforçou para empurrar o fato para o fundo de sua mente. Obviamente, ele não esquecera, ninguém se esqueceria de algo assim, mas Dominic se recusou a pensar muito na questão, falar sobre o que fizera para a sua família ou mesmo considerar e planejar o que faria se um dia sua companheira aparecesse. Dominic tinha de admitir que esteve em negação, esforçando-se para acreditar que este momento demoraria séculos para chegar, quando ele estivesse pronto para deixar de ser solteiro e se comprometer em uma relação monogâmica.

Mas Dominic reconhecia que deixar a diversão e prazeres da vida de solteiro para trás não era tão difícil quanto encarar a realidade de que, em breve, ele seria um companheiro, o que equivaleria a dizer que Dominic estaria casado. Na verdade, o vínculo entre companheiros era mais importante do que a cerimônia de casamento criada principalmente por instituições religiosas humanas. Questões legais raramente eram um problema, pois em uma relação entre companheiros não havia distinção entre "meu e seu". Afinal, como alguém poderia ser mesquinho ou egoísta com a sua alma gêmea? Separações entre companheiros verdadeiros eram ainda mais raros, pequenos pontos solitários em milênios de história, assim, divisão de bens não aconteciam. Com mais frequência, os companheiros decidiam não ficar juntos logo nos primeiros meses de relação. Era incomum, mas às vezes, mesmo com o ritual e a alta porcentagem de compatibilidade apresentada pelo feitiço mágico, ou mais recentemente pelo programa de computador, alguns companheiros decidiam não ficar com o seu escolhido. Os motivos eram muitos, mas diferenças entre raças ou culturas provavelmente eram as principais causas dessas decisões.

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