Capítulo 2 - A Rachadura

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Enquanto o recreio estava em quase seu fim, sabe-se lá para onde Aphelios havia ido, Sett estava o esperando durante os últimos dez minutos agarrando-se fortemente ao pacote de salgadinho de nachos picante. O aguardava feito um cão que foi deixado em casa com o dever de cuidar dela e ansiosamente esperava a chegada de seu dono.

Algumas pessoas passavam pelo ruivo e o olhavam confuso pela atitude, mas relevavam, pois, era o excêntrico Sett. Ele batia papo com qualquer pessoa que passava e o encarava dando a desculpa de que era um guardião no momento.

Mas a tentação corrompe o homem. Sett batia nervosamente seus pés no piso da sala, ele estava tentado a comer aquele salgadinho. Ele nunca havia visto o salgadinho desta marca no sabor picante.

-  Bem, acho que ele não vai notar se eu abrir o pacote, pegar apenas um e depois fechar... - Sett divaga sozinho novamente.

Suspirando ele abriu o pacote e instantaneamente o odor de pimenta industrializada peregrinou até seu nariz sensível fazendo com que sua reação fosse um espirro tímido e contido. Não abalado, como se não tivesse sido afetado pelo cheiro extremamente forte de chulé, ele capturou um pequeno salgadinho da cor vermelha e o colocou na boca.

Sett se esqueceu. Ele é extremamente fraco para pimenta. No mesmo instante seus olhos lacrimejaram, abriu a boca em desespero por água, era como se ele estivesse cuspindo fogo pelos ares como um dragão raivoso.

O sinal para o fim do intervalo toca e entra Aphelios na sala de aula se deparando com Sett desesperado gesticulando para ele. Apontava para a boca e depois o pacote de salgadinhos.

- Água, água, pelo amor de Deus! - Sett clamava. Aphelios arregalou seus pequenos olhos e correu em direção ao corredor. O ruivo se sentiu momentaneamente abandonado pelo seu aliado, porém poucos segundos depois o garoto de cabelos negros andava depressa com um copo de água descartável em mãos e entrega para Sett que quase gritou – Obrigado.

Sett bebeu a água em um gole completo sem ao menos respirar. Aphelios se senta na cadeira ao lado do ruivo onde seu caderno estava aberto em uma página que continha algumas escritas com "esquisito", "mudinho" e "emo depressivo". Ele arranca a página, a amassa em uma bola e coloca no compartimento logo abaixo da carteira.

- Eu não sei como você pode gostar disso aqui. Toma, não quero mais. - Sett continua dizendo, ele parecia e provavelmente não havia notado o que estava escrito no caderno de Aphelios.

O ruivo entrega o pacote que pertencia a Aphelios enquanto reclama do quão dolorida sua boca estava. O de cabelos negros colocou a mão sobre os lábios e soltou um "Pfft". Ele zombava quase que silenciosamente de Sett. Provavelmente nunca admitiria que em uma semana ele se sentia mais confortável com a sinceridade sem noção de Sett mais do que ele suportava o esforço falso dos alunos de tentar conversar consigo durante tantos anos.

- Você está rindo de mim, Garoto Lua? - Sett fingiu estar ferido e colocou a mão no peito de maneira dramática mas na verdade estava impressionado apesar de não ter visto o sorriso de Aphelios, ele teve um breve vislumbre de seus olhos se curvando feito lua minguante quando riu. Seu coração pulou abruptamente em seu peito.

Após diversas falhas consecutivas de Sett fazer Aphelios sorrir ou rir para ele mais uma vez, o professor logo entrou e retomou a aula.

Os dias se passaram com Sett quase que o tempo todo tentando fazer Aphelios rir, sem sucesso, mas apesar disso, eles estranhamente pareciam mais próximos. Aphelios as vezes até deixava Sett olhar suas respostas durante as aulas de matemática. As vezes, diga-se sempre, não tinha como negar com tamanha insistência de Sett.

Aphelios ainda não havia se dirigido diretamente para Sett. Eles trocavam bilhetes durante as aulas, mas eram sempre tão vagos que quase pareciam monólogos da parte do ruivo. Ele precisava ganhar a confiança daquele gato selvagem que era o seu colega de sala. Mas gostava do desafio.

- Bom dia, Garoto Lua. Hoje você parece meio brocoxô, aposto que ficou a noite toda jogando. - Sett entra na sala e avistou Aphelios com pequenas bolsinhas de olheiras sob os olhos. - Bom, eu também cometi esse erro, he he. Maaas eu tenho a solução dos nossos problemas, Garoto Lua.

Sett se senta ao lado de Aphelios e coloca a mochila sobre a carteira deitando a cabeça no seu novo travesseiro improvisado. Ele olha para Aphelios e o mesmo o encarava curioso, Sett não consegue esconder seu sorriso quando consegue pescar a atenção do misterioso Garoto Lua.

- Hoje temos educação física, provavelmente jogaremos queimada e para o nosso plano entrar em ação, preciso da sua colaboração e atuação digna do Oscar. – Sett aponta seu dedo para Aphelios que arqueia uma sobrancelha, ele estava confuso e não queria arriscar muito – Não se preocupa, Garoto Lua, não será tão difícil, deixa a cena toda comigo.

Aphelios fica alguns segundos ponderando mais uma vez se devia entrar no jogo ou não. Uma parte de si que era a mais obscura dizia pra se afastar daquele garoto escandaloso que não media consequências, invadia seu espaço pessoal e insistia em sempre falar consigo. Mas havia a parte mais juvenil de si que não teve nunca a oportunidade de sair, ele nunca teve um amigo além de sua irmã que se esforçasse tanto para quebrar a barreira que cercava Aphelios. Sua coragem era quase nula mas novamente os olhos pedintes de cachorro abandonado do ruivo levou a melhor. Aphelios acenou com a cabeça e aceitou o desafio.

Ele pôde sentir dentro de si uma pequena rachadura no muro de mármore.

- O plano é o seguinte, temos uma aula de educação física logo antes do recreio, certo? – Sett começa a contar seu plano – Eu vou jogar a bola em você sem muita força mas você tem que fazer parecer que foi bem forte! Aí você cai no chão e eu corro até você, grito que está sangrando e vou te levar para enfermaria depois de avisar o professor. Então nós finalmente podemos deitar naquelas macas nada macias e cochilar até o recreio. Fácil, não é Garoto Lua?

Na teoria de Sett tudo parecia tão simples quanto nadar em uma piscina infantil, mas na prática Aphelios sabe que provavelmente será um desastre. Entretanto, algo estalou em sua mente. Por que Sett sempre o chamava dessa forma? Garoto Lua? Não fazia sentido para ele. Tomado pela coragem, do seu interior ele tirou forças. E repentinamente uma voz tranquila e baixa ecoou no pequeno espaço dividido entre os dois garotos.

- Por que? – Aphelios surpreendeu-se consigo. Ele não soube como, mas sua voz saiu pela primeira vez em tanto tempo.

- O-o que? – Sett estava incrédulo. Ele finalmente ouviu! Ele ouviu a voz de Aphelios depois de semanas de tentativas falhas. Ele ouviu! Aphelios tem uma tão linda...

"Badump"

Seu coração acelerado continuamente batia até doer. Bombeando rápido, o sangue subiu até suas bochechas e ele ergueu a cabeça tão rápido do travesseiro improvisado que tudo girou.

- Garoto Lua... Por que me chama assim?





Continua...

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