VIII

431 31 32
                                    

Um filme passava na frente de meus olhos; em primeiro plano, me lembrei da primeira vez que senti nervosismo perto do meu primeiro amor — e aquilo me marcou o âmago de uma maneira inconcebível para alguém racional como eu —, aquela troca de olhares e minhas mãos tremulando. Era estranho, eu admito, mas lembranças e sentimentos são todos assim em minha concepção. Pensei, ainda, se Shizune já houvera sentido isso ou se a censurei tanto que jamais conseguiu se apaixonar por algum dos rapazes que conhecíamos durante nossas viagens. Em alguma instância, me senti culpada: Shizune não encontrou a pessoa certa por minha culpa.

Ainda em meus pensamentos, o desespero de adolescente me consumiu completamente. Não consegui respirar observando os olhos da garota com quem compartilhei tanta intimidade me sondando e procurando uma resposta minha naquele mar de incertezas. É tudo minha culpa. Tentei fitar a parede amarela ao meu lado para pensar em uma resposta, mas minha consciência e as mãos de Shizune em minhas bochechas foram mais fortes que toda aquela assertividade na qual me escondi desde que me dou por gente.

— Shizune, não faça isso... — falei baixo quase colando meu rosto ao dela.

— Você não parece querer impedir, senhora Tsunade. — sussurrou fazendo com que cada pelo do meu corpo se arrepiasse em resposta.

— Não... — pensei alto com os olhos fechados

— O que? — disse com o tom de desapontamento que conheço bem — Você não quer?

— Eu não posso, não com você. Não quero me despedir de você da mesma maneira que faço com tudo que toco com mais afinco. Você me conhece, Shizune.

Ela, então, passa a mão em meus fios loiros e respira fundo. Sinto medo, confesso, e ela se afasta novamente. A observo indo até a janela e certificando se as cortinas estavam bem presas, recobrindo aquele lugar com um breu impenetrável e nos escondendo do mundo. Talvez, nossa antiga vida fosse como essas cortinas verde lodo da casa de Shizune: tecidos densos escondendo coisas que não estávamos prontas para lidar. Volta e ficamos naquela mesma posição desconfortável e abafada.

— Eu te conheci como aquela que não queria ficar em lugar nenhum e, para ser sincera, um pouco de mim era como essa imagem que você passava. — começa e escuto atentamente — Como poderia ser diferente, Tsunade Senju?

— Eu sou destrutiva demais, Shizune. Esse meu traço é o que, de fato, nunca poderá ser diferente. — a corto porque sei exatamente o que está sentindo e, bem no fundo, sei que é infinitamente recíproco.

— Eu estou tentando confessar o amor de uma vida a você e, em resposta, você faz uma autocrítica? — diz contrariada e sinto que estava contendo as próprias lágrimas.

Odeio vê-la assim porque, pelo menos para mim, Shizune sempre seria a minha garota. Meu senso de proteção com a menina de cabelos negros nunca mudou, embora a forma como a vi durante sua infância e adolescência tenha se perdido com os anos.

— Shizune, você entende que mesmo que eu retribua... — começo a falar e ela junta seus lábios aos meus.

Sinto o ar dos meus pulmões sendo sequestrado pelo beijo indiscreto de Shizune. Ela junta as mãos em meu pescoço e, embora eu tenha ficado imóvel de início, acabo não resistindo a pousar as minhas mãos em sua cintura. Cada vez mais, sinto o beijo se aprofundando e, em resposta, algum sentimento, antes afoito, vai crescendo dentro de mim. Um tempo que não consegui contabilizar se passa e estamos nos encarando novamente.

— O que você dizia, Tsunade? — pergunta travessa.

— Você sabe como meus relacionamentos terminam, Shizune.

— Com você se embebedando e desabafando comigo? Não teremos esse problema, Tsunade. — ela ri e sinto que algo dentro de mim morre por saber que irei tirar isso dela com minha próxima resposta.

— Terminam com a pessoa dentro de um caixão. Eu não posso fazer isso de novo. Não com quem eu amo. Nunca com você.

Algo mais forte que me render pelo momento me forçou a ser dura daquele jeito. Ela se cala e aquilo me corrói.

— Não é algo pessoal...

— Por favor, me deixe sozinha. — diz e me destrói de dentro para fora.

— Shizune, pense no que as pessoas comentariam... não teríamos chances, além do mais... — começo a me justificar.

— Eu já pedi para que me deixasse sozinha com meus pensamentos. Por favor, esqueça disso da mesma forma que esqueceu de mim nesse meio tempo desde que retornamos à Konoha.

Lágrimas escorrem e começo a soluçar. Eu nunca planejei me esquecer de Shizune, sequer sabia que ela se sentia desse jeito e eu só queria enxugar suas lágrimas e falar que foi apenas um período ruim que se arrumaria, mas não o fiz. Quem quero enganar, afinal? Não sou a heroína dos pesadelos de Shizune há muito tempo.

Suspiro, limpo o rosto com a parte traseira da mão. Toco seu seio esquerdo — sem maldade alguma, era apenas algo simbólico — e digo baixo que tudo ficará bem. Saio da casa dela e vou o mais rápido que consigo tentar encontrar algum lugar para me esconder, como sempre. Depois de algumas horas correndo, encontro refúgio em algum lugar bem longe de Shizune, da aldeia da folha, da minha casa, dos ninjas que comando, das bebidas que bebo, dos cassinos que frequento e de tudo que reconheço como meu.

Me sento no tronco de uma árvore e pensamentos me tomam — de um jeito quase tão covarde quanto o que lidei com Shizune — descontroladamente:

O que podia ser eu além do plenilúnio na vida de alguém tão incrível quanto Shizune? Ela é a coisa mais doce que já vi e, nesse ponto, é impossível dizer que não me apaixonei por ela sem querer. Cada uma das partes de mim procura Shizune, mas nunca irão encontrar e eu preciso ser forte para firmar isso comigo mesma. Eu estaria mentindo para mim se pensasse que não queria estar beijando-a e a exibindo por aí como a vitória em uma aposta, mas as chances de ela e eu saírmos inteiras disso são as mesmas que as de eu ganhar boas apostas: nulas.

Continua!

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 05, 2022 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Rosas; Lotus; Nós.Onde histórias criam vida. Descubra agora