Quarta

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  Depois daquela manhã de terça-feira, senti como se todos os meus nervos parassem de se estressar por qualquer erro que eu cometesse atoa. Antes, após aquele incidente, foi quase como se todo o mundo rodasse envolta dos meus desentendimentos. Cada erro, cada desorganização, cada brecha, era como uma nova oportunidade do caos acontecer. Eu não podia deixar isso acontecer, nunca mais.
  Porém, quando os dias passavam, aquela vista do topo de São Paulo e aquele cheiro de café amargo da cafeteira do Kaiser sempre me acalmavam. Era tão confortável, quase como se eu me sentisse em casa. "Casa"... Aqui é a minha casa... ?
  Esquece, eu devo estar pensando demais.

  Quarta-feira de Outubro, cinco da tarde.
  Eu realmente nunca entendi muito sobre tecnologia moderna. Arthur me obrigou a comprar um telefone para que pudéssemos trocar contatos, mas eu realmente não entendo nada disso.
  Enquanto estava a alguns minutos tentando entender melhor essa ferramenta, alguns passos se aproximavam de mim. Desliguei o eletrônico e me virei para ver quem era; Kaiser, e com um disco na mão.

  — Eae, Jo. Fazendo o que? - Ele olhava para mim como se soubesse exatamente como identificar alguém sem experiência alguma em tecnologia moderna. Uma das coisas que mais me deixam curioso sobre Kaiser é suas habilidades nesse assunto; nem consigo contar nos dedos a quantidade de vezes em que pedi pela sua ajuda com qualquer problema medíocre em que eu me encontrava nesse celular. - Ta com problema com a fonte de novo?

  — Dessa vez, não. - Solto uma risadinha sem graça; ele sempre me zoa por eu não saber como mudar a fonte do telefone. - Fazendo nada, e você? Parece que tem algo aí. - Aponto o meu olhar para o disco em sua mão; era um disco prata normal, com nenhuma estampa, apenas uma escrita ilegível podia ser vista, feita em azul na frente do disco.

  — Uh, bem... - Era visível um nervosismo estranhamente aparente no olhar de Kaiser; as desviadas de olhar e o rubor em suas bochechas eram um sinal único de que tinha alguma coisa ali. Mas o que? - Eu- Eu achei isso jogado nas gavetas do meu quarto e.. Pensei que você ia gostar. - Kaiser me entrega o disco. Mais de perto consigo ler o que estava escrito, e que era "Umibe no Etranger", que em japonês significa "O Estranho na Praia", ou algo do tipo. Mais abaixo também estava escrito "uma hora".

  — Então... - Começo a girar o disco e o analisar ligeiramente, tentando procurar por arranhados ou falhas; estava incrivelmente impecável, quase como se tivesse acabado de ser comprado. - Você ta me chamando pra ver um filme... ?

   — Bem, se você quiser ver comigo, eu to aceitando. - Kaiser tenta desviar do propósito da pergunta. Abro um pequeno sorriso enquanto me levanto do sofá e vou até a TV.

  —  Ta bom, então. - Coloco o CD no player da televisão e volto a me sentar no sofá. Kaiser, antes de começar, pega uma xícara de café e se senta ao meu lado direito.

  — Mas, e então? Sobre o que é o filme? - Pergunto para o homem ao meu lado. Apesar do nome claramente japonês, eu nunca vi ele antes. Ano passado eu assistia vários animes e terminava em semanas, mas hoje em dia é diferente. Digamos que eu "aposentei" de maratonar e fiquei apenas na base da teoria.

  — Você vai ver. - Disse o mesmo, levando a um clima de suspense naquela sala. O que será que Kaiser preparou para eu assistir? Será um filme de luta, cultura asiática? Mínima ideia. Kaiser as vezes consegue ser tão fechado, pior que uma tranca de sete chaves. Duvido eu conseguir retirar dele alguma informação sobre o conteúdo, então vou apenas assistir em silêncio.

  O filme começou e de entrada, tinha a clássica situação que indicava o nome do filme; o protagonista encontra um garoto misterioso na praia e fica curioso sobre ele, então decide ir atrás.
  No começo até pensei em comentar sobre o filme, mas quando mais segundos se passavam, mais distraído eu ficava; não com o filme, e sim com Kaiser.
  Os dois protagonistas estavam discutindo severamente, e apesar de ser uma cena bastante emocionante, meu ponto de interesse não estava ali. Sem nem perceber, dou uma espiada em Kaiser e percebo que ele estava olhando para mim. Confesso que de início eu me assustei.

  — Uh... Kaiser? - Sussurro para ele escutar.

  — Hum?

  — Para de me encarar, mano. - Do um sorrisinho meio sem graça, enquanto via Kaiser se realizar que realmente estava me olhando. O rubor em seu rosto apenas aumenta, e ele desvia o olhar para a TV.

  — Fo- foi mal Jo. - Kaiser dizia meio embaralhado enquanto tentava prestar atenção na televisão.

  Às vezes eu penso nessas pequenas interações mais do que eu devia. As formas com que Kaiser consegue ser tão aberto, mas tão fechado ao mesmo tempo... Essas pequenas observações,  reações e respostas mostram bastante sobre ele, na verdade. Quando ele finge ser corajoso, ou quando corta o dedo com a faca sem querer e não quer pedir para que eu ajude... O tempo parecia tão importante derrepente...

  — Jouii? Alô? - Kaiser balançava a mão na frente da minha visão, me tirando do transe. - O filme ta ali Joui, não ta aqui não. - Ele solta uma risadinha disfarçada. Sem nem perceber, estive encarando Kaiser por mais tempo do que o planejado. Sinto minhas bochechas queimarem um pouco e me sentir mais inquieto.

  — Ah! Go- gomen! - Me atrapalho um pouco com as palavras, mas me viro para a televisão e me esforço para tentar focar apenas na cena do filme, mas era tudo tão... inquietamente bom. Talvez eu estivesse mais perto dele do que eu devia.

  E, bem, o filme foi até que bem rápido. Enquanto passava, eu e Kaiser ficavamos comentando sobre uma coisa ou outra que achavamos interessante; risadas, observações, críticas, opiniões, logísticas... Quando os dois protagonistas estavam prontos para viajar juntos, senti como se eu estivesse viajando também. Nossas mãos estavam a um centímetro de se encostar, assistiamos ao filme em sintonia, mas uma hora ou outra eu dava uma espionada para ele; Kaiser parecia bastante concentrado também. Ele não estava com aquela cara de cansaço de sempre, pelo contrário; quase como se ele tivesse descansado.
  Sabe, as vezes eu penso sobre tudo que já passamos, juntos ou não. Somos fortes, principalmente ele. Kaiser é o cara mais forte que eu já conheci até hoje.

  — Hum... E então... ? Gostou? - Kaiser se vira para mim enquanto os créditos do filme passavam na televisão. Quando me viro de volta para ele, abro um largo sorriso.

  — Foi ótimo, Kaiser! Deveríamos fazer isso mais vezes. Apenas achei meio melancólico...

  — Ah, sério? Desculpa então-

  — Você devia parar de ser tão "emo", sério. - Retruco.

  — Joui, pelo amor de deus...

  E bem, foi assim que se finalizou meu quarto dia no apartamento de Kaiser: ele disse que eu poderia ficar com o disco, então peguei para mim. Me parece uma boa memória para guardar, sabe.
  Por algum motivo muito estranho, me sinto mais leve que o normal em ocasiões muito específicas, como por exemplo... Quando ele ta por perto.
  As luzes estão regulares.

Sunlight - Joaiser #JoesarWeek2022Onde histórias criam vida. Descubra agora