Sombras do Passado e Vozes dos Ancestrais

692 100 31
                                    


- O que pensam que estão fazendo!? - A voz firme da líder da tribo, mãe de Jungkook, ecoou entre os aldeões, impondo silêncio imediato.

Ela sabia que a situação estava fora de controle e, ao se aproximar do jovem humano loiro, tentava manter a compostura, embora não soubesse onde enfiar a cara. - Senhor Kim Taehyung, me perdoe por isso - sua voz agora era baixa e respeitosa, e ela lançou um olhar severo aos aldeões. - Nós somos muito sensíveis quando se trata de humanos, temos uma longa história com o seu povo... - completou, soltando um longo suspiro, como se suas palavras carregassem o peso de séculos de mágoas não resolvidas.

Jungkook apareceu logo após a fala de sua mãe, incapaz de desviar os olhos do loiro. Algo nele incomodava profundamente. Talvez fosse o modo como aquele humano andava, como se o mundo pertencesse a ele, ou talvez o brilho prepotente em seus olhos que não combinava com sua aparência delicada. Era um ódio inexplicável, primitivo, que se intensificava a cada segundo. Ele o odiava antes mesmo de conhecê-lo.

E o destino, cruel como sempre, fez com que seus olhares se encontrassem. Taehyung manteve um sorriso enigmático, o que fez o sangue de Jungkook ferver. Era irritante o quanto aquele humano era... bonito. Tão absurdamente bonito que, de alguma forma, isso só piorava a raiva crescente em seu peito.

- Este é o meu filho, Jungkook - a voz de sua mãe interrompeu os pensamentos do rapaz, tentando minimizar a tensão crescente. - Por favor, ignore o olhar dele. Foi criado pelo pai de forma... selvagem. Sua maneira de se comunicar é através de gritos, encaradas e, muitas vezes, violência. - Ela suspirou, colocando a mão com delicadeza na cintura de Taehyung. - Nos acompanhe até nossa casa, por favor. - E com isso, ela começou a guiar o loiro pelas ruas da vila, desaparecendo com ele entre os becos.

Todos os aldeões permaneceram em silêncio, os olhares fixos no chão, sem ousar comentar o que acabara de acontecer. Enquanto isso, Jungkook, fervendo de raiva, partiu. Seus punhos cerrados, os dentes trincados, ele seguiu rumo à floresta, o único lugar onde sentia alguma paz.

Lá, entre as árvores altas e antigas, ele se permitiu perder no verde denso até alcançar o centro da mata. Sem pensar, socou violentamente o tronco de uma árvore, sua pele rasgando sob o impacto. A dor física era insignificante em comparação com o tumulto que se passava dentro dele. Ele odiava aquele humano com todas as fibras de seu ser, mas, pior ainda, odiava a si mesmo por ter permitido que ele entrasse em seu mundo.

Sua mente o forçou a reviver as memórias que tanto tentava enterrar. A culpa pela morte de seu pai. A lembrança vívida dos gritos e da violência. O sangue vermelho e o sangue azul misturados no chão como uma lembrança amarga de seu fracasso.

Com as mãos trêmulas e as veias saltadas em sua testa, ele respirou fundo, tentando se ancorar na calma do ambiente ao seu redor. O som suave da água corrente, o canto dos pássaros, o vento fresco que soprava entre as árvores... tudo o fazia lembrar de seu pai e de suas lições sobre a importância de suas origens e da conexão com a natureza.

- Tudo fica mais nítido por aqui, não acha? - Uma voz suave o tirou de seus pensamentos. Era dona Liu, uma anciã respeitada da tribo. Ela usava roupas simples e velhas, suas mãos cruzadas atrás das costas enquanto caminhava lentamente até ele. Seus olhos cansados, mas cheios de sabedoria, pareciam enxergar além do visível. - Isso te lembra os ancestrais, não é? - ela perguntou, sua voz suave como uma brisa.

- Dona Liu, onde está seu neto? O que está fazendo aqui sozinha? - Jungkook se aproximou dela, seus olhos varrendo a área ao redor em busca do rapaz. Quando viu que não havia ninguém por perto, ele colocou uma mão protetora no ombro da anciã, falando com carinho. - A senhora não deveria andar sozinha por aí.

A velha olhou para ele por um longo momento antes de segurar sua mão com ternura. -Os ancestrais choram por você, pequeno Kookie.- Suas palavras, embora gentis, carregavam um tom de tristeza. -São muitas batalhas, tanto sofrimento e dor. - Ela fez uma pausa, parecendo lutar contra suas próprias emoções. -Mas você ficará bem... desde que você tenha...

Antes que ela pudesse terminar, o som de passos apressados e uma voz desesperada cortaram o ar. - Vó!- O neto de dona Liu surgiu correndo pela mata, ofegante e suado. Ele correu até a anciã, agarrando suas vestes com um desespero palpável. - **Não me deixe preocupado assim nunca mais!**

A velha sorriu para o menino, acariciando seus cabelos enquanto ele soluçava. Ela lançou um último olhar a Jungkook antes de partir com o neto, deixando o jovem guerreiro sozinho novamente. Aquela cena, tão comum em tempos de paz, agora era uma lembrança dolorosa das cicatrizes profundas que a guerra entre os sangues vermelho e azul havia deixado em todos.

Jungkook fechou os olhos, tentando bloquear as lembranças, mas os sussurros e os toques etéreos em sua pele voltaram. Os ancestrais. Eles estavam sempre ali, tentando falar com ele, guiá-lo de alguma forma.

- Eu sei, eu sinto vocês...- murmurou ele, sentindo um arrepio correr por sua espinha.

Ele sabia que os espíritos dos antigos estavam ao seu lado, mas o peso de suas expectativas às vezes era demais para suportar. Quanto mais ele tentava honrá-los, mais a sombra dele era espessa.

- Sente o quê? – a pergunta dela veio carregada de carinho e preocupação, mas também uma sombra de algo que ele tentava ignorar. Alicent, sua amiga de infância, era alguém que sempre esteve por perto, oferecendo conforto quando nada mais parecia preencher o vazio que ele sentia. E, em momentos de fraqueza, ele a tinha, fisicamente, como uma tábua de salvação.

Ele se lembrava da primeira vez que cruzaram essa linha. Não havia sido um ato de paixão, mas de desespero. Ela estava em seus braços, chorando, suas lágrimas molhando a camiseta dele, os soluços incontroláveis reverberando em seu peito. Ela falava de um outro homem, alguém que fazia com que ela se sentisse miserável e insuficiente, e ele a segurava, sentindo-se igualmente perdido, incapaz de consolar de maneira adequada.

O peso da tristeza dela o afundava ainda mais, e, em um ato de fraqueza, ele fez a única coisa que parecia natural naquele momento: ergueu o queixo dela com uma mão trêmula e a beijou. Não houve grande preparação ou poesia, apenas um impulso cego. O beijo foi curto, hesitante. Ele se afastou por um segundo, esperando algum sinal de que aquilo não era errado.

E então, com os olhos ainda inundados de lágrimas, ela o beijou de volta, mas não de forma delicada ou carinhosa. Foi um beijo desesperado, intenso, e antes que pudesse processar o que estava acontecendo, eles estavam no chão da sala.

Jeon lembrava do som do corpo dela batendo contra o chão, e o gemido de dor que escapou de seus lábios. Por um breve momento, ele parou, um frio tomando conta de seu corpo. O que ele estava fazendo? Mas Alicent não o afastou. Pelo contrário, ela o puxou para mais perto, como se a dor fosse o último vestígio da sua humanidade.

Ele se sentia sujo ao lembrar daquele momento. Não sujo por causa dela, mas por si mesmo, por ter cedido a uma necessidade tão primitiva em um momento que deveria ter sido sobre cuidado e proteção. A partir daquela noite, as coisas nunca mais foram as mesmas entre eles. Alicent continuou sendo uma presença em sua vida, mas havia uma distância invisível, um silêncio que pairava sobre eles, como se ambos estivessem sempre à beira de algo que preferiam não nomear.

Agora, de volta ao presente, Jeon olhou para o rosto de Alicent. Havia ternura em seus olhos, mas também havia algo mais, algo que ele não podia – ou talvez não queria – enfrentar. - Se estiver sentindo algo, pode me dizer -  ela disse, sorrindo.

Ele queria acreditar nela, mas sabia que não havia ajuda para o que ele sentia. A confusão, a raiva, a culpa... estavam entrelaçados de maneira tão intrincada que ele não sabia como separá-los.

Ele não queria ser salvo. O que ele queria, mais do que qualquer coisa, era ser consumido, engolido pela escuridão que sempre o rondava.

- Não é algo que você possa ajudar, Alicent - ele finalmente murmurou, desviando o olhar.

____________________________________________

Fim

O Príncipe Trakai eo Rei cruel_taekookOnde histórias criam vida. Descubra agora