Capítulo 1

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Serafim

A maioria dos nobres menospreza qualquer pessoa que não possua algum tipo de valor, seja em dinheiro ou em utilidade. Isso cria uma barreira imensa entre as classes mais altas e as mais baixas, uma realidade que não surpreende ninguém. Quanto mais poder uma pessoa detém, mais ela sente que deve manter distância, separando o "luxo" do "lixo". Nem todos, é claro, seguem essa mentalidade, mas é difícil distinguir quem é quem nesse jogo de máscaras. No mundo aristocrático, nada é o que parece, e a confiança é um luxo que poucos podem se permitir. Desde cedo, aprende-se a desconfiar de todos, porque no jogo pelo poder, até mesmo os herdeiros podem ser vistos como ameaças.

Um exemplo claro da superficialidade dos nobres é o modo como uma simples ação, como adotar uma criança, pode ser transformada em um grande espetáculo. Muitos enxergam isso como um ato de compaixão e amor, mas na maioria dos casos serve apenas para impressionar outras pessoas. Claro, há exceções. Alguns realmente têm boas intenções, como o Conde e a Condessa Dankworfh, que adotaram uma criança órfã de outro país e a criaram com amor genuíno. Eles são uma rara exceção, uma família da qual eu gostaria de ter feito parte.

— Senhorita Serafim? — Ouço uma batida leve na porta. Pelo toque sutil e a educação, deve ser Any, a única empregada que ainda me trata com respeito.

— Entre. — Respondo, levantando-me da cadeira. Ela entra rapidamente no quarto, e posso ver que o coque em seu cabelo foi feito às pressas.

— Acordou atrasada? — Comento, observando-a com um leve sorriso. Ela sorri de volta enquanto me mostra um vestido.

— Nada escapa ao seu olhar aguçado, não é, Senhorita? — Ela está certa. De fato, não deixo nada passar despercebido, uma habilidade que desenvolvi para sobreviver nesse caos entre a nobreza, e para assegurar que eu cumpra meus objetivos.

— Você está mais apressada do que o habitual hoje. — Digo, enquanto ela começa a me ajudar a vestir o traje que escolheu. É um vestido azul com detalhes em branco, de mangas longas, discreto, projetado para parecer caro, mas sem chamar muita atenção. Tudo perfeitamente calculado.

— A mansão está em alvoroço com o noivado da senhorita Carmen. — Any comenta enquanto ajusta o vestido.

Carmen é minha irmã postiça. Ela tem 17 anos e está noiva do Visconde Arthur Zane, filho do Conde Zane, um homem de 23 anos. Como filho de um conde, Arthur herdou o título de visconde, mas não tenho dúvidas de que ele conseguirá se tornar um conde, para grande alegria de minha mãe adotiva.

— É verdade, como pude esquecer? — Comento enquanto Any termina de pentear meu cabelo e o prende em uma trança elegante. Ao olhar meu reflexo no espelho, vejo os sinais de cansaço da noite anterior. — Preciso me apressar também.

A mesa de jantar é, como sempre, vasta e repleta de pratos refinados. Apesar de toda a abundância, as refeições são momentos tensos para mim. Não sou bem-vinda aqui. Minha presença é tolerada apenas para evitar fofocas sobre maus-tratos à filha adotiva. A viscondessa, minha mãe adotiva, é muito cuidadosa com sua reputação.

— Vamos marcar a data do casamento o mais rápido possível! — Declara a viscondessa animadamente.

— A senhora está certa, mãe. Quanto mais breve, melhor! — Concorda Carmen, com um sorriso.

Assim que me aproximo, o sorriso de ambas desaparece. O Visconde Arthur, por sua vez, está distraído, lendo o jornal. Quando me sento, consigo ver a manchete principal: "Morte do Barão Salazar, o caçador".

Salazar dominava muitos territórios e havia rumores de que ele caçava, não animais, mas pessoas. Pobres, especificamente. Embora esses boatos tenham sido abafados por um tempo, a verdade acabou vindo à tona, e ele pagou o preço por isso. Sim, fui eu que o matei. Sou a líder de uma guilda secreta que caça e pune aristocratas corruptos. Ninguém suspeita de mim, e esse segredo permanece seguro.

O Demônio e o Crisântemo. - Uma Combinação Mortal.Onde histórias criam vida. Descubra agora