Desembarque

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(Baseado em fatos quase reais)

Tempos atrás eu levei horas fazendo as malas de uma viagem que não aconteceu. Levei horas pra fazer, e meses para desfazer, pois ainda tinha esperança de embarcar. Aquela bagagem não utilizada me causava angústia, mas era ainda mais angustiante desfazê-la. Peça por peça voltando ao armário. Passagens jogadas no lixo. Roupas exclusivas jamais utilizadas e imagens de memórias apenas planejadas. Odeio me planejar em vão. A pior parte da bagagem não é o que tenho que guardar no armário, mas o que tenho que tirar da cabeça e reorganizar. A expectativa quebrada é pior do que um armário bagunçado. Não era a primeira vez que aquilo acontecia, mas jurei que seria a última. Eu já havia desistido de planejar longas viagens.  E por mais que eu amasse a estrada e os céus, resolvi me contentar com pequenos passos e uma bolsa de mão. 
E

m uma das minhas caminhadas, recebi outro convite. Pensei em negar, mas era tentador. Se eu ainda tivesse a bagagem feita teria partido naquele exato minuto. Essa viagem prometia mais do que a outra, talvez eu precisasse de uma mala maior. Juntei o que pude no que já tinha, dessa vez foram meses apenas fazendo a bagagem, animada em poder usar as roupas e os planos que não pude da última vez. A mala, mesmo mais cheia, parecia mais leve. Os planos eram quase os mesmos, mas seria outro lugar, com outras pessoas, e uma outra versão de mim; com os mesmos fins, mas outros meios. E no dia da viagem, lá estava eu desfazendo as malas pela segunda vez.

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